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sexta-feira, 19 de maio de 2017

Série Crimes que Abalaram o Brasil: Fera da Penha


Era a manhã  fria de 30 de junho, e as pessoas se movimentavam rumo ao trabalho. Aquelas que trabalhavam no próprio local ou nas imediações do matadouro do bairro da Penha, já se encontravam em seus postos e já tinham iniciado suas atividades quando gritos e correrias começaram a chamar a atenção de todos. 


Ninguém entendia o que estava se passando, mas quase todo mundo deixou de lado seus afazeres para saber o que estava acontecendo. A maioria das pessoas que estavam próximas ao local era informada de que em um terreno baldio, foi encontrado o corpo de uma criança, ainda sem sexo definido, todo queimado e irreconhecível. A brutalidade da cena chocou até os homens mais rudes acostumados com a matança de animais no abatedouro do bairro.
Ninguém entendia como podia ter acontecido uma barbaridade dessa com uma criança que aparentava talvez ter cinco anos. Logo se saberia, porém, que a criança era um garota de quatro anos, que seu nome era Tânia Maria e que antes de ter seu corpo incendiado, levara um tiro à queima-roupa na cabeça.

O triste acontecimento se torna um prato cheio para a imprensa. A notícia chegou à população em grandes e dramáticas manchetes, dividindo os noticiários com as eleições de outubro próximo, com a escolha da “Miss Brasil” de 1960, e ainda com o caso Aída Curi, com o Crime do Sacopã e com uma estranha história que afirmava que o mundo iria acabar no próximo dia 14 de julho. O drama real do assassinato da garota virou uma tragédia, daquelas que sempre povoavam o mundo de Nelson Rodrigues. 

E nos próximos dias, toda a história seria desvendada em detalhes, impressionando a população com os detalhes da trama macabra que vieram à tona.

Início

1960, Rio de Janeiro. O casal Antônio e Nilza morava com duas filhas pequenas no bairro Piedade, subúrbio do Rio de Janeiro. Ele saía para trabalhar, ela cuidava da casa e das crianças, e aos olhos das pessoas próximas, a família levava uma vida ótima.
A pequena Tânia com os pais
Entretanto, Antônio escondia um segredo: estava se relacionando com outra mulher. Ele a conheceu em um trem, enquanto ia cumprir suas obrigações diárias. Seu nome era Neide Maria Maia Lopes, tinha 22 anos e era fã do escritor Nelson Rodrigues e de livros de mistério. O que era para ser uma aventura rápida foi se tornando parte da rotina de Antônio. Durante três meses, eles tiveram encontros constantes e intensos.
Neide era obcecada por histórias de mistério e suspense
Neide Maria era uma moça solitária e recatada quando conheceu Antônio, e estava esperançosa de por um fim aos seus dias solitários; já que Antônio, além de educado, lhe pareceu uma pessoa honesta e digna de confiança. Tornam-se amantes, mas com promessas de casamento, assim que as condições permitissem.

Mas Neide sabia que algo estava errado com o seu novo namorado, porém não tinha coragem de perguntar e correr o risco de acabar com o romance. Até que um dia, um amigo próximo de Antônio que sabia da situação – talvez por peso na consciência, talvez por interesse próprio – revelou à Neide o que era escondido até então: seu atual namorado tinha casa, esposa e dois filhos.

Nessa época, namorar um homem casado era fatal para qualquer garota, principalmente quando o fato era descoberto por amigos e vizinhos. Seu nome “caía na boca do povo”, conforme se dizia.

Recebendo a notícia no susto, Neide fraquejou, entrou em desespero e foi logo tibrar satisfações do amado. Ela disse então, que não aceitaria tal situação e que ele teria uma semana para acabar com o casamento. Antônio é claro relutou, disse que não era bem assim e tentou equilibrar trabalho, casa, esposa, filhas e amante; prometendo ao longo dos meses que iria abandonar a mulher, e que tudo era uma questão de tempo, pois havia o problema das crianças, e que ela devia ter paciência e assim por diante. Bem, você já deve conhecer essa história...

Plano de Vingança

Neide logo ficou convicta de que o namorado nunca iria abandonar sua família, e que seus sonhos nunca se realizariam. Ela esperava que ele tomasse aquela decisão baseada somente na paixão – afinal, se ela jogaria qualquer coisa para o alto, ele deveria fazer o mesmo.

Com esses pensamentos fervilhando em sua mente, Neide decidiu se vingar de Antônio de uma forma que ele nunca se esquecesse. Ela passou a executar um plano que durou nada menos do que seis meses. 

Descobriu onde a família de Antônio morava, cercou a residência, anotou hábitos e conheceu bem o rosto de sua rival: Nilza.

Um dia, ela tomou coragem e bateu na porta da casa:
– Nilza, tudo bem? Você se lembra de mim?
– Oi, tudo bem. Desculpe, mas não me recordo.
– Nós estudamos juntas!
– No Duque de Caxias?
– Isso mesmo.

E foi com essa história inventada que a amante se aproximou da esposa e conquistou sua confiança. Ela também conheceu as crianças: Tânia e Solange, duas adoráveis meninas.


Aos poucos e com perguntas certeiras, Neide ia descobrindo tudo o que precisava para dar o próximo passo em seu plano. Certo dia, perguntou para Nilza do que Antônio mais gostava no mundo. Sem nem imaginar o mal que estava por vir, ela respondeu que a pequena Tânia era a luz dos olhos do pai.

Foi aí que Neide teve pela primeira vez, o pensamento que mudaria para sempre a vida de todos os envolvidos no caso. Ela decidiu então, que a menina seria o alvo de sua vingança. O destino da garotinha ficou determinado, assim passou a forçar um laço com a menina, lhe enchendo de presentes.
Os meses se passaram. Em um dos encontros com Antônio, Neyde se levantou da cama e disparou:

– Antônio, você gosta mesmo da Nilza?

Assustado com a revelação de que a amante sabia o nome da sua esposa, Antônio tentou entender a situação. Ela então contou que já havia estado na casa dele e conhecido suas filhas. Não satisfeita, a mulher ameaçou: “Ou você termina com a sua esposa ou eu mato a sua família inteira”.

Antônio não acreditou nesta intimidação nem por um segundo. Levantou-se, foi embora e como sempre, chegou em casa como se nada tivesse acontecido.

O Dia Fatídico

No dia 30 de junho daquele ano, Taninha, como era chamada carinhosamente a menina de apenas 4 anos, não queria ir à escola. Contrariada, ela foi levada pela mãe para a casa que servia de centro de ensino.


Conhecendo a rotina da casa do amante, principalmente os horários em que as duas garotas iam e vinham do colégio onde estudavam, Neide bolou um plano diabólico: fazendo-se passar por Nilza, Neide telefonou para a escola, dizendo que Tânia teria que voltar mais cedo para casa e que uma vizinha iria passar por lá para pegar a garota. O pessoal da escola de nada desconfiou, e Neide saiu com Tânia aparentemente despreocupada.

Menos de 30 minutos após o ocorrido, Nilza chegou ao local para levar o lanche de Tânia que havia sido esquecido; e se desesperou ao saber que uma estranha havia levado sua filha embora. A notícia se espalhou e logo alcançou os ouvidos do radialista Saulo Gomes, que resolveu acompanhar o caso.

Em desespero, Nilza entrou em contato com o marido, e angustiada contou sobre o acontecido. Já na delegacia, a única pessoa com pistas sobre o caso era justamente Antônio: assim que ouviu as características da sequestradora, ele teve certeza de que Neide estava envolvida no caso. Porém ele não imaginava que Neide pudesse fazer mal à sua filha, pensou apenas que fosse uma chantagem boba para que ele largasse a sua família.

No entanto, Neide tinha intenções macabras. Levou a garota para vários locais, inclusive para a casa de uma amiga onde ficou por um bom tempo – Neyde sabia que naquela região havia um matadouro e vários urubus sumiam com as carcaças de animais. Na casa, Neyde ficou conversando com a amiga por algumas horas e disse estar cuidando da criança para uma outra amiga. Repentinamente, ela pediu uma tesoura, cortou um pedaço do cabelo de Taninha e o guardou na bolsa.

Em casa, Antônio e Nilza aguardavam aflitos, algum contato de Neide ou mesmo alguma notícia da filha desaparecida. A chegada da noite deixou o casal mais angustiado, agora desconfiados e temerosos de que algo de muito ruim poderia ter acontecido. Às oito e meia da noite, Neide decidiu que Tânia Maria tinha que ser sacrificada.

As duas deixaram a casa por volta das 8 horas da noite, passaram em uma venda e Neyde comprou uma garrafa de álcool. Curiosa, a criança perguntou o que era aquilo, e sem hesitar, ela respondeu que Taninha ficaria doente e aquele seria um remédio.

Neide adentrou no matadouro segurando Taninha pela mão, enquanto a criança pedia para voltar para a mãe. Ao chegar num ponto em que achou apropriado, Neyde soltou a criança, pegou uma arma calibre 32 e disparou a sangue frio. Em seguida, despejou o álcool na garota que ainda estava viva e ateou fogo.


Interrogatório e Prisão

Durante as investigações sobre o sequestro de sua filha Tânia, Antonio confessa a polícia que manteve um relacionamento extraconjugal com Neide durante seis meses, o que leva a polícia a detê-la para averiguações durante todo o dia 1º de julho. Pressionada, Neide a princípio, nega seu envolvimento diante das autoridades e da imprensa presentes.

Por volta das 23h, um funcionário do Matadouro da Penha passava com seu cavalo pelos arredores do local, quando subitamente o animal de assusta com uma fogueira. Após apear do animal, o funcionário descobre o corpo carbonizado de Tânia no interior da fogueira. A notícia se espalha rapidamente, e em pouco tempo a polícia chegaria ao local.

O triste acontecimento se torna um prato cheio para a imprensa. A notícia chegou à população em grandes e dramáticas manchetes, dividindo os noticiários com as eleições de outubro próximo, com a escolha da “Miss Brasil” de 1960, ainda com o caso Aída Curi, com o Crime do Sacopã e com uma estranha história que dava conta de que o mundo iria se acabar no dia 14 de julho próximo. O drama real do assassinato da garota virou uma tragédia, daquelas que sempre povoavam o mundo de Nelson Rodrigues.


Foto da menina morta foi publicada no jornal
A investigação policial que estava a cargo do delegado Olavo Campos Pinto, do 24º Distrito Policial, levou os policiais com facilidade até Neide, que deixou enormes rastros por onde passara.

Com uma frieza que impressionou a todos, já que era evidente sua culpa no episódio, negou firmemente as acusações em um interrogatório que ultrapassou doze horas sem poder beber água ou fumar, e continuou negando tudo friamente. 
Neide durante o interrogatório
Negava protestando inocência, dizendo-se perseguida pelas acusações de Antônio, só porque tivera um caso com ele. Ela só ficou abalada quando confrontada com o revólver utilizado no crime. Olavo Campos mostrou-lhe a arma, já confirmada ser de sua propriedade, dizendo a Neide que se o revólver era dela, somente ela poderia ter praticado o bárbaro ato, porque além de ter os motivos para tal, ela não tinha álibi para confirmar a sua não participação no episódio. Mas ela continuava negando e dando pistas falsas, chegando a perguntar ao delegado por que tinha que ser ela a assassina e não outra qualquer. O delegado explicou que um revólver tem raias dentro do cano, e que quando uma pessoa atira, a bala sai girando e o projétil apresenta as marcas das raias do cano. Também lhe foi mostrado o laudo que confirmava que a bala encontrada na menina assassinada vinha de seu revólver. 

Dessa forma, com fortes argumentos e convicção, Olavo Campos foi minando as resistências de Neide, até que em uma crise de choro, ela confessou todos os detalhes do crime e de sua preparação.

Assim que Neide confessou sua culpa, a imprensa criou um circo sem precedentes escolhendo as manchetes mais apelativas e apelidando Neide de “Fera da Penha”, nome que até hoje é usado quando o crime é citado.

Semanas se passaram quando ela aceitou dar uma entrevista ao radialista Saulo Gomes. A princípio negou, mas insistentemente indagada por Gomes sobre a autoria do crime, ficou irritada, declarando que só não matou a todos da família porque não teve tempo. Acabou por relatar na rádio passo a passo todo o crime com uma frieza que revoltou a todos. 



Repercussão do caso na Mídia e na população

Detida no 24º distrito, bairro de Encantado, Neide precisou ser transferida para o prédio da Polícia Central, por conta do risco de invasão da delegacia por parte de populares. Durante a transferência, cerca de 300 pessoas depredaram uma viatura de polícia, utilizada para despistar a viatura que conduzia Neide. 

Quando a imprensa noticiou que a reconstituição do crime seria realizada com a presença da assassina, centenas de pessoas se dirigiram ao local do crime, dezenas de piedosas mulheres, daquelas que vão à missa todos os fins de semana e pedem proteção a Deus contra as maldades do mundo, ficaram de prontidão no local, esperando a chegada de Neide exigindo justiça e prontas para linchá-la, a maioria com esperança fazer justiça com as próprias mãos se a reconstituição viesse mesmo a ser realizada. Sabendo disso, a polícia cancelou a reconstituição do caso. 

Após alguns dias detida na Polícia Central, Neide foi transferida para a Penitenciária Lemos Brito, em Bangu. As próprias detentas de Penitenciária de Mulheres de Bangu, algumas com crimes tão perversos quanto o de Neide, revoltadas, ameaçaram matá-la e também fazer justiça. Segundo elas, era verdade que cometeram crimes terríveis, porém o de Neide teria ultrapassado todos os limites. A morte seria pouco para ela. 

E não demoraria muito, como sempre acontecia e ainda acontece quando um crime cuja barbaridade excede aos limites do aceitável, a imprensa estava discutindo a adoção no país da pena de morte. A santificação de Tânia Maria, assim como aconteceu no caso Aída Curi, se espalhou por todo o Rio de Janeiro. A imprensa, principalmente a revista O Cruzeiro, que se julgava a guardiã da moral e dos bons costumes, mas, que se aproveitava das desgraças do cotidiano para ser a líder de vendas entre as revistas brasileiras com suas reportagens sensacionalistas, se encarrega desse mister.

Na edição de 30 de junho de 1960 da revista O Cruzeiro, o famoso repórter policial Arlindo Silva deixaria para a posteridade a matéria cognominada “Tânia Maria é agora menina santa”, explicando aos leitores de todo o Brasil o que estava acontecendo com o local onde o crime foi perpetrado, como para lembrar a todos que o crime não poderia ser esquecido:

“Dizem que a memória do povo é fraca, mas o caso do assassino da menina Tânia Maria, pelo Frankenstein de saias, Neide Maia Lopes, duvido que o povo esqueça. O local onde a garotinha foi morta, um terreno baldio junto ao matadouro da Penha (Rio de Janeiro), está convertido num pequeno santuário, onde, diariamente, milhares de pessoas fazem preces, levam flores, acendem velas e pedem graças. O pequeno pedaço de chão onde a criança morreu queimada, após levar tiro na cabeça, foi cercado por barras de ferro, imitando um pequeno berço, por um popular anônimo. No dia seguinte à morte de Tânia, já se erguia no local uma cruz branca, e, desde então, a peregrinação não cessou. Começa de manhã e vai até altas horas da noite. Senhoras, moradoras nas imediações, contam que cerca de 1.000 pessoas por dia, muitas vindas de longe ou em trânsito pelas rodovias Rio-São Paulo e Rio-Petrópolis, vão até o local onde morreu a “Flor do Campo”. Este é o nome que poetas desconhecidos deram à pobre menina. À cruz estão pregados poemas de louvor e glorificação à pequena vítima. Esses poemas falam: “Ó Santa menina - O mundo não era teu - Tu foste predestinada - Para a glória do céu”. Também foi pregado à cruzinha branca o “Hino à Flor do Campo”, com estrofes assim: “Ó menina imaculada - Ó meu anjo salvador - Aqui, aqui te louvamos - Com a nossa imensa dor”. Continua: “Vamos todos para o campo - Lá morreu a nossa flor - Aqui, aqui te ofertamos - Todo nosso grande amor”. E o Hino termina: “Este campo consagrado - É da filha do Senhor - Aqui, aqui nós rezamos - Ó meu anjo salvador”. Em volta do pequeno carneiro improvisado, oram, ajoelhadas, mulheres idosas, mocinhas e crianças, como se estivessem ante um altar. Velhas mães, não contendo sua indignação, dizem que a Polícia deveria deixar a mulher-fera nas mãos do povo.”

E como também sempre acontece com esses crimes de grande repercussão (vide o caso Suzane von Richthofen/irmãos Cravinhos), várias autoridades nessa mesma matéria, foram entrevistadas para darem sua opinião sobre o que deveria ser feito quando a justiça se deparava com crimes de tal envergadura, com requintes de crueldade.


Na mesma matéria, chamado a comentar sobre o assunto, o professor Jurandir Manfredini, docente de Psiquiatra da Faculdade de Medicina, ex-diretor do Serviço Nacional de Doenças Mentais, dizendo-se contra a pena de morte, mas, como todos aqueles que iniciam suas frases de efeito com as palavras “a princípio”, foi categórico ao criticar as leis do país:

“Em princípio, sou contra a pena de morte, com exceção de alguns casos, nos quais sou francamente favorável a essa punição. Por exemplo, todos os crimes contra crianças, como ataque, estupro, sevícia, ou morte cruel - caso da mulher-monstro da Penha - só podem ser punidos com a execução sumária do criminoso. Do mesmo modo, os crimes contra velhos indefesos devem merecer a mesma pena. Nestes aspectos, acho que o Código Penal brasileiro é deficiente e muito benévolo, o que tem permitido, pela impunidade, o aumento progressivo de crimes dessa natureza. Devemos acentuar que os países mais civilizados da atualidade adotam a pena de morte para certos casos de crimes perversos, e até mesmo para crimes que, aqui, seriam considerados leves. Considero que não haveria, em absoluto, regresso social ou cultural se o Brasil também adotasse a medida. O que, desgraçadamente, vai acontecer com Neide é que, protegida pela benevolência da nossa Lei e a intervenção da dialética dos advogados, essa criminosa acabará tendo uma pena leve, se não for até absolvida - o que não é de surpreender em face dos nossos costumes judiciários onde a impunidade é a regra comum.”

Também o doutor Cordeiro Guerra, ex-promotor do 1.º Tribunal do Júri, que, segundo a reportagem, teria marcado com brilho sua passagem pela tribuna, atuando em casos de grandes repercussões, foi chamado a opinar sobre o assunto: 

“A admitir-se a responsabilidade penal da acusada, Neide Maia Lopes, a pena aplicável deverá ser imposta em sua plenitude, com o maior rigor. Dificilmente se encontrará uma personalidade tão insensível, perversa, uma intensidade de dolo tão grande, uma capacidade de dissimulação tão excepcional - tudo em ação contra uma criança indefesa. Considerando as circunstâncias do crime, pode-se dizer que a ele se aplicam numerosos agravantes previstos no Código Penal. É preciso que o tempo não apague da mente popular o horror do crime, e que, depois, não tenhamos o paradoxo freqüente de ver o criminoso objeto de simpatia ou piedade. Fatos como este e como outros que ainda recentemente abalaram a opinião pública, estão a indicar que já se aproxima a hora da revisão dos Códigos Penal e de Processo Penal, no Brasil. O homicídio qualificado por motivo torpe, praticado contra criança, com requintes de perversidade, dificilmente escaparia à pena capital nas legislações dos povos mais cultos.” 

Já o promotor, Everaldo Moreira Lima, lotado no 1º Tribunal do Júri, radicalmente contra a pena de morte, mas pedindo a reformulação imediata do Código Penal (exatamente como nos dias de hoje, mais de quarenta anos depois), além de clamar pela modernização da polícia, deixou suas impressões de como a justiça brasileira deveria proceder para dar respostas apropriadas ao clamor popular:

“A pena de morte é anacrônica e sua adoção como meio de punir o crime é anti-histórica. A pena de morte, que é contemporânea das civilizações mais elementares, vem paulatinamente desaparecendo das legislações, e mesmo nos países que a prescrevem é restrita sua aplicação. A proceder o argumento do maior efeito intimidativo, teríamos de retornar ao sistema das penas aflitivas e infamantes, como a lapidação, a impalação, o chicote, a guilhotina e o pelourinho e a ninguém de bom senso pode ocorrer tal ideia. No caso brasileiro, penso que precisamos reformar nosso Processo Penal, e dotar a Polícia e a Justiça de elementos pessoais e materiais em número suficiente para a boa consecução de sua tarefa, criando novas Varas para dar andamento rápido aos processos. Atualmente, os julgamentos são retardados, a distância leva a uma decisão que não consulta os interesses da sociedade. Para mim, o julgamento imediato dos crimes é mais importante que o rigor da pena. Quanto ao crime de Neide Maia Lopes, que traumatizou a opinião pública brasileira, na hipótese de ser ela responsável e de mente sã, estará configurado o homicídio qualificado por motivo torpe e emprego de meio cruel, com a agravante de ter sido praticado contra criança. Está sujeita à condenação de 12 a 30 anos, e o juiz deverá aplicar a pena máxima. Acrescentando-se a pena de 2 a 8 anos, pelo sequestro, essa criminosa bárbara poderá pegar 38 anos de prisão. O dispositivo de que o réu condenado a mais de 20 anos tem direito a novo júri deve ser extinto do Código Penal."

Quem opinou por último foi o desembargador Romão Cortes de Lacerda; como todo bom moralista, e “reserva moral da nação”, usa de toda a sua sapiência jurídica para defender penas capitais, seja a pena de morte, seja a prisão perpétua. Seu argumento maior – exatamente como nos dias atuais – é o de que as penas capitais são usadas exatamente nas nações mais civilizadas, ou seja, esses países, onde a civilização mais avançou, chegaram à conclusão de que as penas capitais são mais intimidatórias contra o crime; em resumo, ele deixa claro que, se o Brasil deseja se tornar um país mais civilizado, a pena de morte ou a prisão perpétua deveria ser adotada imediatamente no Brasil.

“As penas eliminatórias - pena de morte ou prisão perpétua - são adotadas na luta contra a criminalidade pela maioria dos povos mais cultos. Tenta-se contestar a eficácia de tais penas com o recurso às estatísticas, sempre equívocas. É inútil, como diz Tarde, argumentar com isso quando são as próprias associações de criminosos (“gangs”), que, nos seus códigos draconianos, reconhecem essa eficácia, cominando a pena de morte a torto e a direito aos seus parceiros. (Lembrem-se os pactos da “Maffia”). São ainda os delinquentes que reconhecem a força intimidativa da pena de morte, praticando assaltos sem armas, onde até os policiais trabalham desarmados.

Na exposição de motivos do Código de 1930. Rocco apresentou o melhor exame possível dos argumentos pró e contra a pena capital, então adotada e substituída, com a República, pela prisão perpétua. Lembrando o caso da Suíça, salientou que a história da pena de morte é uma seqüência de supressões e restaurações. Beccaria a justifica como ‘justa e necessária quando se julga que a morte de um indivíduo se impõe ao bem público’. Santo Tomás de Aquino a aceitava. Rocca reputa-a necessária para os crimes mais graves, aqueles que profundamente comovem a opinião pública e põem em perigo a paz social. Se põe termo aos crimes mais graves, é certo que também os diminui, donde a resistência dos países que a adotam em aboli-la. Nos crimes mais atrozes, abre-se ao legislador, conforme observou Tarde, um dilema: ou fazer morrer sem fazer sofrer, ou fazer sofrer sem fazer morrer. E, dificilmente, se concluirá que a última solução é mais justa e humana que a primeira. Dizer que a pena de morte não põe termo ao crime é aconselhar a abolição de todas as leis penais, porque também elas não porão termo à criminalidade.

Por outro lado, argumentar pela abolição da pena de morte, com a possibilidade dos erros judiciários, é como justificar a abolição da Medicina, com os erros dos médicos, que causam mortes com mais freqüência que os erros dos juízes. Ademais, os erros da Justiça são muitíssimo mais difíceis, só se aplicando a pena capital quando provado fora de dúvida o crime. No Brasil, praticamente, a pena, nos delitos mais graves, não passa de 15 anos, graças à facilidade legal do livramento condicional, que reduz à metade as penas detentivas ou a dois terços na reincidência. É claro que essa fraqueza influi, decisivamente, para a exacerbação da criminalidade no País, onde os mais temíveis delinquentes voltam sempre à circulação para de novo delinquir, como é notório entre nós. Os piores homicidas, na verdade, são condenados a 12, 20, 24 anos e raramente a 30. Graças ao livramento condicional, voltam ao convívio social após cumprirem a metade ou dois terços dessas penas... Não é de admirar, pois, que haja mais homicídios no Rio de Janeiro que em toda a Inglaterra. 

É que, naquele país, o criminoso não escapa: ou é condenado à morte ou à prisão perpétua; se louco, é internado por toda a vida. A enérgica repressão penal é ainda o meio mais eficaz para a defesa social contra o crime, sendo de notar que os Códigos Penais mais severos do Mundo são precisamente os das nações mais cultas, que adotam sempre penas eliminatórias - morte ou prisão perpétua - para crimes como este, que está causando grande comoção na opinião pública brasileira.”








Julgamento

O julgamento de Neide ocorreu entre 4 e 5 de outubro de 1963. E exatamente como acontece com todos os crimes de grande repercussão - se tornou uma arena de circo, cada jornal ou revista trazendo reportagens com mais adjetivos do que substantivos.

Após dezesseis horas de sessão, o juri votou pela condenação de Neide, pelo sequestro (7 votos a 0) e pelo homicídio (6 votos a 1). O juiz Bandeira Stampa, presidente do II Tribunal do Júri, proferiu a sentença de 33 anos de prisão (30 pelo homicídio e 3 pelo sequestro) em regime fechado. Por conta da pena ter ultrapassado mais de 20 anos, um segundo julgamento foi solicitado pelo advogado de defesa. Esse julgamento ocorreu apenas entre 20 e 21 de abril de 1964. Esse segundo julgamento apenas confirmou a sentença (por 6 votos a 1). A decisão dos julgamentos só seria confirmada pela justiça em 1966. 

Santa?

A menina foi enterrada no cemitério de Inhaúma. Seu túmulo tornou-se ponto de peregrinação de fiéis de diferentes denominações religiosas, que associam a menina como benfeitora de muitos milagres.

Quadra 21, carneiro 17. A funcionária do Cemitério de Inhaúma responde de pronto o local onde está enterrada a menina Taninha. Depois que foi assassinada, a garota passou a ser tratada como santa. Cinco décadas após o crime, sua sepultura continua atraindo fiéis em busca de milagres.



Fotos, flores, uma estatueta de São Jorge e até duas bonecas decoram o túmulo da garota. As placas de agradecimento pelas graças alcançadas estão por toda a parte. A última é do ano passado. No chão, os restos de cera comprovam que muitas velas ainda são acendidas para a menina.

— Tem um homem que vem sempre no Dia de Finados. Ele pinta e cuida do túmulo. Não sabemos quem é. Muita gente procura pela sepultura dela até hoje — conta uma funcionária do cemitério.
Há 13 anos, a família de Taninha não visita sua sepultura. Se para os parentes da criança ir ao cemitério é sinônimo de lembranças ruins, para alguns o túmulo da garota funciona como uma espécie de altar.


Liberdade e Consequências

Os pais de Tânia permaneceram juntos após a tragédia. Nilza perdoou o marido e o casal fez bodas de ouro. Além de Solange, que já era nascida na época, tiveram outros três rebentos. Hoje são seis netos e dois bisnetos.

— Deus me levou uma, mas me deu mais três — conta Nilza de 70 anos, na primeira vez em que fala sobre o assunto numa entrevista.

A única recordação palpável de Taninha é uma foto guardada na residência do casal de idosos. Antônio evita conversar sobre o crime. O assassinato é uma espécie de tabu para ele. Mas as lembranças não deixarão de existir. 

— Estava conversando com umas amigas e comecei a chorar. São coisas que marcam muito. Mesmo que você queira esquecer, as pessoas não deixam. A humanidade é muito cruel — desabafa Nilza.

Num bairro vizinho ao dela, vive a Fera da Penha.Menos de dois quilômetros e quase 51 anos separam os pais de Tânia Maria Coelho Araújo de Neyde Maia Lopes. Após cumprir 15 anos de prisão (sendo sua pena reduzida através de indulto de 33 para 21 anos), Neide Maia Lopes é solta no dia 9 de outubro de 1975. 

Viveu durante muitos anos em companhia dos pais, até o falecimento deles em uma casa no bairro de Cascadura, Rio de Janeiro onde permanece até hoje. Desde sua libertação até os dias atuais, tornou-se uma pessoa reclusa, e nunca abriu boca para comentar a respeito de seu crime, nem depois que deixou a prisão. 

A janela de seu apartamento, no segundo andar, costuma ficar fechada, mesmo sem ar-condicionado no imóvel.
Aos 72 anos, ela não conversa com os vizinhos e nunca foi vista acompanhada pelos moradores dos outros 15 apartamentos de seu prédio. Se para ela o destino reservou uma vida na sombra, como uma espécie de maldição pelo crime que cometeu, para Nilza o tempo que Neide passou na cadeia foi pouco.

— Ela não cumpriu a pena dela — afirma.

Fontes:

- Blog Decadade50.blogspot (90% do artigo retirado)

- Blog Desmanipulador.blogspot

- Revista O Cruzeiro, edição de 30 de Junho de 1960

- Revista Crimes que Abalaram o Brasil (não consta número e nem edição)

- Revista Flagrante de 1962

- Livro Crimes que Abalaram o Brasil 2007








































































































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