Francisco de Assis Pereira era o filho do meio de uma família de três irmãos, e nasceu em 29 de Novembro de 1967. Em casa era chamado de Tim pelo irmão mais velho Luis Carlos, era considerado um menino quieto e meigo pelos vizinhos da época. Adorava comer pães e andar de bicicleta e patins, aos 8 anos de idade ganhou o primeiro par de patins de plástico; apesar de ter sofrido um acidente e ter sido submetido à uma cirurgia por causa do Patins onde um graveto quase perfurou seu tímpano, Francisco ficou bem e continuou adorando patins. Aos 14 anos conseguiu comprar um patins de botas apesar das dificuldades financeiras da família.
Seu pai Nelson Pereira, trabalhou como apanhador de laranjas, pescador, barqueiro, frentista e chegou a ter até 3 açougues. Por conta dos altos e baixos financeiros sua família mudava-se de cidade com frequência, porém Francisco era o que parecia se adaptar melhor às mudanças (segundo informações dos parentes).
Por conta da operação do ouvido, Francisco repetiu a 1 série, mas ia bem na escola. Fez até a 5º série e concluiu um supletivo mas largou os estudos para entrar no Exército, chegou a ser cabo e gostava de usar a farda. Segundo familiares Francisco também gostava de cozinhar e o fazia muito bem. Nunca largou os patins, chegando a participar de competições e de exibições públicas com grupos de patinadores em parques como o Parque do Ibirapuera; chegando a tingir os cabelos ou usar roupas específicas para essas apresentações.
Seu amor pelo patins eram tanto que quando sua família quis se mudar para o interior de São Paulo (Guaraci), Francisco decidiu ficar pois acreditava que em São paulo teria mais oportunidades como patinador. O último encontro de Francisco com a família foi no Natal do ano anterior à sua prisão; mostrou-se tranquilo e divertido e era adorado pelas crianças da região. As mulheres da cidade faziam questão de visitá-lo e ele sempre fazia questão de montar shows de apresentação de patins.
Seus pais mantinham troféus e medalhas de suas apresentações bem como recortes ou gravações de Francisco falando sobre seu trabalho com patins; Francisco mostrava ser um rapaz, comum, bem articulado e equilibrado.
Mas as aparências enganam....
Alguns Indícios
Francisco estava acima de qualquer suspeita, e quando os seus crimes vieram à tona amigos vizinhos e familiares falaram coisas positivas a seu respeito. Francisco tinha o rosto sardento como o da mãe Maria Helena, vestia roupas joviais e quando foi preso estava com uma camisa colorida de um time de hóquei.
Era o tipo de pessoa que passava despercebido na rua ou no elevador, e que atrai a a simpatia das pessoas. Era falante e atencioso.
"O Francisco é bastante carinhoso e brincalhão. O único defeito é que o tempo livre dele é todo para os patins", diz a estudante Juliana Prado Fanasca de 16 anos, ex namorada de Francisco e moradora de Guaraci, onde vivem os pais de Francisco. Juliana e Francisco ficaram juntos um mês.
"Comigo ele era um cara superlegal", conta Ellen Renata Pereira, de 16 anos. Também vizinha dos pais de Francisco, Regiane Alves de 20 anos, conheceu o motoboy quando a família dele se mudou para a Rua Joaquim Rossini, no bairro Cohab 4.
"A gente batia papo, jogava conversa fora." Segundo a garota, Francisco sempre pareceu ser uma pessoa normal, um cara legal. "Não acredito que ele possa ser o maníaco." Curiosamente, no entanto, ela diz que deixou de falar com o vizinho depois que uma amiga lhe contou que o motoboy teria tentado estuprar uma outra garota, em São José do Rio Preto. "Perguntei se ele tinha mesmo feito isso. Ele falou que não, mas não acreditei nele." Desde então (ela não tem certeza, mas acha que o episódio se passou em 1995), Regiane nunca mais conversou com Francisco.
Thayná, uma travesti com quem Francisco viveu por mais de um ano, constantemente apanhava dele e recebia socos no estômago e tapas no rosto, exatamente como algumas das mulheres que sobreviveram relataram. No tempo em que Francisco estava desempregado Thayná o sustentava e por conta disso as brigas eram constantes.
Durante as investigações Thayná disse: "Uma vez ele chegou em casa com o short manchado de sangue na altura do pênis. Ele disse que tinha se machucado mas agora percebo o que pode ter acontecido." Na última briga do casal ele disse: "Um dia serei famoso mesmo que seja nas páginas policiais".
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Thayná |
Uma outra ex namorada relatou que apesar de Francisco ser maravilhoso e carinhoso, ele tinha momentos explosivos: "Um dia ele puxou o meu cabelo com força só porque eu matei aula" e "Era comum ele chegar em casa machucado ou arranhado mas ele dizia que havia se envolvido em brigas bobas".
Em um manuscrito escrito pelo próprio Francisco, consta uma experiência considerada marcante vivenciada por ele. Quando tinha 8 anos, o menino matou um filhote de rolinha com um estilingue. Levou o passarinho para casa e tentou colocá-lo numa frigideira. Foi impedido pela avó, mãe de seu pai. Aos berros, ela acusava o garoto: "Assassino, você é um monstro". E deu a rolinha para um gato comer. Francisco conta que caiu num choro convulsivo, arrependido por ter tirado uma vida. Outra lembrança de Francisco é a ojeriza por velórios. Detestava ver gente morta, ficava angustiado, queria sair correndo. "Era um menino sensível, sensível demais", lembra a mãe.
Em um diário apreendido pela polícia Francisco dizia que gostaria de achar uma menina de 12 ou 13 anos para dominar, da mesma maneira que dominou uma vizinha com quem ele costumava a brincar. Quando a vizinha completou 19 anos os dois começaram a namorar, em 1995 ela engravidou e Francisco se recusou a casar dizendo que só casaria se pudesse sustentá-la. Francisco foi proibido de conhecer o filho.
Ainda em 1995, uma moça de 19 anos prestou queixa na delegacia da cidade de São José do Rio Preto, no interior paulista, contra um homem que a agarrou numa avenida do bairro Cidade Nova e a forçou a entrar num prédio em construção. Ela conseguiu escapar. O homem foi detido por constrangimento ilegal, pagou 80 reais e foi solto por ser primário. O acusado: Francisco de Assis Pereira.
Em Fevereiro, Isadora Fraekel suposta namorada de Franccisco desapareceu. Alguns dias depois do desaparecimento da estudante Isadora Fraenkel, em 10 de fevereiro, dois cheques da garota, um de 200 reais e outro de 50, foram compensados na agência Cidade Jardim do Banco Itaú. O pai de Isadora, o físico Cláudio Fraenkel, procura a polícia com cópias dos cheques. O de 50 reais estava com a assinatura falsa. Durante as investigações, os policiais chegaram ao suspeito de estelionato, que se apresenta como namorado de Isadora. Cláudio Fraenkel, numa nota oficial, negou que a filha estivesse namorando o rapaz e o acusou de ser o principal envolvido no desaparecimento dela.
Um Assassino à Solta
No dia 4 de julho, um rapaz embrenhou-se na mata do parque à procura de uma pipa e encontrou dois cadáveres em decomposição. A polícia foi avisada e em 5 de julho de 1998,localizou outros dois corpos. Os investigadores concluíram então que as quatro mortes deveriam ser obra da mesma pessoa, o que os levaram a suspeitar que um serial killer estava à solta. Eram quatro cadáveres de mulheres estranguladas, todos despidos - na verdade, um só de calcinha - de bruços e com as pernas afastadas, posição típica de vítimas de estupro.
As seis mulheres tinham cabelos longos e escuros. Todos encontrados, de uma só vez, no Parque do Estado, uma reserva florestal de 550 hectares na Zona Sul de São Paulo, na divisa com o município de Diadema. Como peças de um quebra-cabeça, esses corpos se somariam a outros dois achados, isoladamente, em janeiro e maio daquele ano, quando ainda não se suspeitava de que um maníaco estivesse em ação. Mais dois corpos foram localizados no dia 28 de julho de 1998.
Investigações
Vasculhando os arquivos da delegacia da região, a 97º DP, investigadores da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) descobriram três casos de tentativas de estupro entre maio de 1996 e dezembro de 1997 no parque. As três mulheres que conseguiram escapar do ataque ajudaram a polícia a fazer um retrato falado daquele que se tornaria o principal e único suspeito dos crimes.
No dia 12 de julho, um domingo, os jornais publicam o primeiro retrato falado do maníaco que atacava no Parque do Estado, elaborado por policiais do 97º DP.
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Retrato falado |
No dia seguinte, ao chegar a sua empresa, Jorge Alberto Sant'Ana de 25 anos, estranhou a ausência do único funcionário que trabalhava e dormia na empresa. Ele tinha deixado um bilhete sobre a mesa, com um recorte do jornal em que havia o retrato falado. Lamentava ter de ir embora, pedia desculpas pela forma repentina da partida.
Ao ver o desenho, um homem ligou para a polícia dizendo ter o número do telefone de alguém muito parecido: Francisco de Assis Pereira de 31 anos, morava em Santo André no ABC Paulista.
A informação levou os policiais até uma empresa de transportes no Brás. Ao chegarem ao local no dia 15 de julho, descobriram que Pereira trabalhava lá como motoboy. Porém, três dias antes da visita da polícia, ele havia sumido, deixando um jornal com o retrato falado do maníaco do parque e um bilhete: “Infelizmente tem de ser assim, preciso ir embora. Deus abençoe a todos.”
No local, mais evidências foram encontradas. No mesmo dia da fuga, o patrão de Francisco percebeu que havia algo de errado com o vaso sanitário da empresa. No conserto, foi encontrado um bolo de papéis queimados, que entupira o esgoto. Junto, estava a carteira de identidade de Selma Ferreira Queiroz, uma das vítimas. A manicure Selma Rodrigues Goes de 35 anos, afirma ter visto uma fumaça saindo de dentro da empresa J.R. Express, na Rua Alcântara Machado, 100-C, Brás.
A polícia passou a procurar por Pereira, tido como principal suspeito.
Em 22 de julho, a estudante Sara Adriana Ferreira reconhece na polícia a voz do homem que, no dia 4 de julho, telefonou para sua casa, na cidade de Cotia, na Grande São Paulo, exigindo 1.000 reais pela libertação de sua irmã Selma. A identificação foi feita por meio de uma entrevista que o homem havia dado a uma rede de televisão em 1994 sobre um grupo de patinadores noturnos. A voz era de Francisco de Assis Pereira, segundo a irmã da vítima.
"Ele apertou meu pescoço.
Disse que era psicopata e já havia
enterrado muitas mulheres ali"
- Sandra Aparecida de Oliveira,
19 anos, uma das mulheres
que dizem ter sido atacadas
no parque por Francisco
Caçada ao maníaco do parque
No mesmo parque, foram encontrados oito cadáveres de mulheres assassinadas. Ao ver seu retrato falado nos jornais, ele fugiu para Itaqui, no estado do Rio Grande do Sul, passando antes pela Argentina para não ser reconhecido pela polícia. Várias mulheres reconheceram no retrato falado o rosto do homem que as atacou. Durante a sua fuga, Francisco foi visto em Ponta Porã (MS) e suspeitou-se de que ele tivesse passado pelo Rio de Janeiro. Fotos suas chegaram a ser espalhadas nos principais parques da cidade.
Chegou a Itaqui, no Rio Grande do Sul, cansado e faminto. Pediu abrigo a pescadores e disse se chamar "Pedro". Francisco chegou a frequentar missas e se tornou familiar aos pescadores do rio Uruguai; desconfiados, os pescadores João Carlos Dornelles Villaverde e Nilton Fogaça da Silva, o "Pitoco", resolveram checar os documentos do rapaz. Pedro, na verdade, era um nome falso. O nome verdadeiro: Francisco de Assis Pereira. Imediatamente o associaram ao retrato falado que saiu na televisão.
"Ele era um cara comum,
educado, estudado, com papo
legal. Engana qualquer garota"
João Carlos Dornelles Villaverde,
o pescador que identificou Francisco
4 de agosto de 1998: Após 23 dias foragido, o motoboy foi preso pela Brigada Militar quando tomava banho na pensão do pescador João Carlos Dornelles Vila Verde. A mulher do pescador, que reconhecera o suspeito, foi quem chamou a polícia. Apesar de não ter resistido à prisão, o Maníaco negou ser o autor dos crimes.
Segundo a mulher do pescador, ele estava na região, pescando no Rio Uruguai, já fazia uma semana. O suspeito, que usava cavanhaque, pediu para tomar um banho afirmando que atravessaria o Rio Uruguai de balsa para se encontrar com uma namorada na cidade argentina de Alvear, de dez mil habitantes. Disse que queria encontrar a namorada "limpo e cheiroso".
A mulher do pescador atendeu ao pedido, mas, desconfiada, pediu ao filho mais novo que revistasse os pertences do inesperado hóspede. Ela contou à polícia ter desconfiado dele por causa da semelhança entre o visitante e as fotos que vira na TV. Nos pertences de Francisco, ela encontrou a identidade e fotos de mulheres. O cabo Jesus Laciri de Lima Carneiro, que atendeu ao telefonema, seguiu para a casa do pescador com mais três policiais. Dentro da mochila do suspeito foram achadas passagens de ônibus de duas empresas do Oeste do Paraná, o que confirma a suspeita da polícia paulista de que ele tinha passado por aquele estado em direção ao Sul.
Após ser preso, o motoboy se manteve calmo. Ele contou à polícia que, do Paraná, pegou carona num caminhão até o Rio Grande do Sul, seguindo depois para a Argentina. Francisco disse que teve de sair de Buenos Aires, onde estava com uma mulher, "porque seu visto estava vencido" (na verdade, a Argentina não exige passaporte de brasileiros). Ele não deu informações sobre essa mulher.
Prisão e Confissão
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O motoboy Francisco de Assis Pereira, o Maníaco do Parque, após ser preso em Itaqui, no Rio Grande do Sul (05/08/1998) |
Nos nove primeiros dias de prisão, ele ficou trancado numa cela no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) em São Paulo.
Em depoimento de muitas horas à Polícia paulista, o Maníaco do Parque confessou os oito assassinatos e mais um. Também admitiu outros cinco estupros. Foi nesse momentos que falou de seu "lado ruim", de sua "fixação em seios" e contou uma dramática história de relacionamentos, de molestamento sexual na infância, de um ex-patrão, com quem teria um relacionamento homossexual.
— Francisco, você conhece Thayná?
— Thayná? Thayná... Não conheço.
— E Elisângela, você conheceu alguma?
— Não.
— Selma?
— Não. Também não.
— E você fez sexo anal com alguma de suas vítimas?
— Fiz, com algumas.
Pausa. Surpresa. O diálogo continua, em ritmo menos frenético:
— Você matou algumas daquelas mulheres, Francisco?
— Matei
— Quais?
— Todas.
— Quantas mulheres você matou?
— Nove.
— Você matou Isadora?
— Matei. Fui eu.
Francisco demorou frações de segundos para reconhecer que matou Isadora Fraenkel, 18 anos, uma bonita garota de classe média paulistana que no dia 10 de fevereiro saiu de casa para ir à aula de inglês e desapareceu. O silêncio que veio depois da confissão durou pelo menos um minuto.
— Como você matava as moças?
— Com o cadarço dos sapatos ou com uma cordinha que às vezes eu levava na pochete. Eu dava um jeito.
Outra pausa, alguns pigarros. É o próprio Francisco quem volta a falar. A voz sai serena, com um tom de constatação:
— Nunca contei isso pra ninguém, nem pra minha mãe. Eu tenho um lado ruim dentro de mim. É uma coisa feia, perversa, que eu não consigo controlar. Tenho pesadelos, sonho com coisas terríveis. Acordo todo suado. Tinha noite que não saía de casa porque sabia que na rua ia querer fazer de novo, não ia me segurar. Deito e rezo, pra tentar me controlar.
Era um dos primeiros dias de Francisco de Assis Pereira, 30 anos, no prédio da DHPP no centro de São Paulo. Na presença de três pessoas, confessou ser o maníaco do Parque do Estado, o suspeito mais procurado pela polícia brasileira. O assassino não de oito mulheres, como acredita a polícia, mas de nove. O homem que estuprou e enforcou suas vítimas e depois largou seus corpos em clareiras de uma das maiores áreas verdes de São Paulo.
Pouco tempo depois, no primeiro depoimento oficial que deu ao delegado Sérgio Alves, responsável pelo caso, Francisco estava mais calmo. O interrogatório durou sete horas. Durante todo esse tempo, ele negou qualquer relação com os oito assassinatos e cinco estupros dos quais é suspeito. A opção de Francisco tinha uma lógica. No caso de uma confissão, ele poderia ser considerado um psicopata e ficaria trancafiado no Pavilhão Dois do Manicômio Judiciário — o inferno na terra — por pelo menos trinta anos. Negando, pode ser condenado por apenas um homicídio e pegar uma pena menor.
6 de agosto de 1998: Francisco foi indiciado pelo assassinato da balconista Selma Ferreira Queiroz de 18 anos. Tecnicamente, as provas contra ele não eram das melhores. Isso porque a perícia foi mal feita, e o único elo capaz de associá-lo ao homicídio é a carteira de identidade da garota, encontrada no vaso sanitário da empresa onde ele morava. Como álibi contra essa evidência, Francisco alega que a casa era frequentada por um sem-número de pessoas.
Uma de suas vítimas, M.C., de 18 anos, que reconheceu Francisco como o estuprador que a dominou no Parque do Estado depois de convidá-la a posar para fotos, disse diante de um batalhão de repórteres: "Ele sabe fazer ar de desamparado". Francisco estava com esse ar no primeiro encontro com os pais depois de sua prisão. Quando as luzes das câmeras de televisão se apagaram, logo em seguida à entrevista coletiva, chorou no ombro da mãe e do pai como uma criança. Com as mãos algemadas, passava os braços em torno do pescoço deles enquanto dizia que havia pensado muito na família nas últimas semanas. Maria Helena perguntou baixinho:
— Meu filho, você fez essas coisas todas?
Francisco colocou a cabeça em seu ombro, chorando.
Modus Operandis
Os policiais se impressionaram com a capacidade de convencimento de Pereira, já que as jovens subiam em sua garupa persuadidas por sua conversa, sem coação. Logo após sua prisão, a perita da Polícia Civil Jane Pacheco Belucci conversou com ele por duas horas e afirmou: “Ele é inteligentíssimo, tem uma fala mansa que convence”.
O Maníaco do Parque, no interrogatório falou que convencê-las era muito simples. Bastava falar aquilo que elas queriam ouvir. Francisco cobria todas de elogios, se identificava como um caça-talentos de uma importante revista, oferecia um bom cachê e convidava as moças para uma sessão de fotos em um ambiente ecológico. Dizia que era uma oportunidade única, algo predestinado, que não poderia ser desperdiçado.
E elas iam....
Chegando no local ele atacava as vítimas, fazendo muitas delas verem outras mulheres mortas por ele. Ele as estuprava, as estrangulava, as mordia (muitas vezes arrancando pedaços da carne), e depois que já estavam mortas, ele as posicionava de maneira provocante cometendo necrofilia em alguns momentos. Depois, ia embora levando alguns objetos das vítimas.
Os corpos eram colocados em pares, e todas eram morenas e jovens.
Algumas Vítimas
- Raquel Rodrigue 23 anos: É, eu não vou
A grande ambição de Raquel Mota Rodrigues, de 23 anos, era ganhar dinheiro para ajudar a família, que vive em Gravataí, no Rio Grande do Sul. "Era uma moça muito ingênua", diz a prima Lígia Crescêncio, com quem Raquel morava desde o final de 1997. "Acreditava muito facilmente nas pessoas." Nos finais de semana, Raquel costumava frequentar barzinhos com três amigas. Nunca chegou em casa depois da meia-noite. Por volta das 8 horas da noite de 9 de janeiro, ela saiu da loja de móveis onde trabalhava como vendedora, no bairro de Pinheiros, na Zona Oeste da capital paulista.
Ao desembarcar na Estação Jabaquara do metrô, já quase em casa, telefonou para a prima. Avisou que conhecera um rapaz e que aceitara posar de modelo para ele em Diadema, na Grande São Paulo. "Disse que era melhor ela não ir", lembra Lígia. Era muito arriscado sair com um desconhecido. "É, eu não vou", respondeu a garota.
Raquel nunca mais apareceu. Seu corpo foi encontrado no matagal do Parque do Estado no dia 16 de janeiro. Poucos dias antes de morrer, Raquel estava extremamente feliz. Acabara de arrumar um novo emprego. Trabalharia numa loja de móveis maior, onde as comissões seriam mais polpudas.
- Patrícia, de 24 anos: bijuterias na mata
Aos 24 anos, Patrícia Gonçalves Marinho nunca revelara à família o sonho de ser modelo. Adorava no entanto, posar para fotografias ao lado de parentes e amigos. Vendedora, era uma moça alegre, comunicativa. Fazia amizade com muita facilidade, em grande parte porque tinha uma confiança ingênua nas boas intenções de todo mundo, mesmo desconhecidos.
No dia 17 de abril, ela saiu da casa da avó Josefa, com quem morava. Desapareceu. Seu corpo só foi descoberto em 28 de julho. Estava jogado numa área erma do Parque do Estado. Devido ao avançado estado de putrefação, a identificação de Patrícia só foi possível porque ao lado do corpo foram encontradas roupas e bijuterias da moça. Foi estuprada.
Morreu por estrangulamento. Patrícia foi enterrada no Cemitério de Vila Formosa, em São Paulo, no último dia 5. Durante os serviços fúnebres, o clima entre parentes e amigos de Patrícia era de muita revolta. Alívio também — um dia antes, Francisco havia sido preso. "A simplicidade e ingenuidade de minha filha devem ter facilitado a abordagem do assassino", disse o pai da garota, o motorista particular João Severino Marinho.
- Elisângela, 21 anos:passeio no shopping
Elisângela Francisco da Silva tinha 21 anos. Filha de uma família pobre de Londrina, vivia em São Paulo com a tia Solange Barbosa, desde 1996. Por causa das dificuldades financeiras, abandonou a escola na 7ª série.
Às 6 horas da tarde de 9 de maio, ela foi deixada por uma amiga no Shopping Center Eldorado, na Zona Oeste de São Paulo. Nunca mais foi vista. Elisângela Francisco da Silva tinha passado boa parte do tempo no Shopping Eldorado com sua amiga e conforme a noite se aproximava ela decidiu ir embora, mas antes que fosse muito longe um homem se aproximou, apresentando-se como fotógrafo de uma importante revista, dizendo que a havia achado linda e que não poderia perder a oportunidade de tirar umas fotos desse belo rosto, pois aquilo era o destino.
Elisângela aceitou a proposta do homem, afinal ele parecia ser educado e aparentava ser uma pessoa elegante e não estaria mentindo, foi o que ela pensou. Logo os dois foram para o Parque do Estado, onde as supostas fotos seriam tiradas.
Antes que a mulher pudesse fazer primeira pose, ela foi agarrada pelo pescoço e estrangulada até quase morrer, mas Francisco de Assis Pereira não gostava de matar as mulheres antes de fazer o que ele queria. Assim enquanto batia nela, ele também arrancava as roupas. Quando ela já não tinha mais forças para lutar, Francisco a estuprou, apertou seu pescoço até vê-la morrer e depois descartou o seu corpo na mata.
Seu corpo foi encontrado em 28 de julho, no Parque do Estado. Ela estava nua. O corpo já decomposto exigiu um árduo trabalho de identificação.
O reconhecimento só aconteceu três dias depois. "Eu tinha esperança de que não fosse ela", diz a tia. Era. Elisângela era conhecida pela timidez excessiva. Diante do olhar mais detido de um desconhecido, sempre abaixava o rosto. Pertencia à Igreja Batista, mas recentemente frequentava a igreja Deus É Amor. "Aceitei Jesus", justificava. Em casa, ajudava nos cuidados com a pequena Letícia de 3 anos, filha de uma de suas primas. Desde a morte de Elisângela, a menina vira e mexe pergunta pela moça. No dia de seu desaparecimento, Elisângela saiu de casa dizendo que voltaria dali a duas horas.
- Selma Ferreira Queiroz, 18 anos: sonho de cursar a faculdade
Na quinta-feira passada, Selma Ferreira Queiroz completaria 18 anos. Moça simples, a mais nova de três irmãs, pretendia terminar os estudos (estava na 7ª série do 1º grau) e fazer faculdade de ciências contábeis ou computação. Os planos de Selma, contudo, foram interrompidos na tarde de 3 de julho.
Entre sua casa, na cidade de Cotia, na Grande São Paulo, e o centro da capital paulista, onde trataria das formalidades referentes a sua demissão como balconista de uma rede de drogaria, ela desapareceu. Era uma sexta-feira. No dia seguinte, um homem telefonou para Sara, irmã de Selma. Informou que a moça havia sido sequestrada. Pediu um resgate de 1.000 reais. Voltaria a ligar no final da tarde. Não ligou. Nesse mesmo dia, o corpo de Selma foi encontrado no Parque do Estado.
Estava nua, com sinais de estupro e espancamento. Nos ombros, seios e interior das pernas, havia marcas de mordidas. No rosto, a feição da dor. Selma morreu estrangulada. O último sinal de vida da garota foi para o namorado. Às 3 da tarde de sexta, de um telefone público, ela avisou que não chegaria a tempo para assistir ao jogo do Brasil contra a Dinamarca com ele. Mas que estava a caminho de casa.
Julgamento e Condenação
Pereira teve três julgamentos. Em todos os julgamentos a que foi submetido, o Maníaco, que confessou ter matado 11 mulheres - embora só nove corpos tenham sido encontrados - afirmou que matou por "inspiração maligna". Os debates entre acusação e defesa tiveram como pauta a saúde mental do réu e sobre sua consciência de estar cometendo um crime.
Em setembro de 1999, o Maníaco do Parque foi condenado a 121 anos, oito meses e 20 dias de prisão em regime integralmente fechado pelo assassinato de cinco mulheres, ocultação de cadáver, estupro e atentado violento ao pudor. O veredicto do terceiro e último julgamento do Maníaco do Parque, que já foi condenado a 150 anos de cadeia ocorreu no 1º Tribunal do Júri de São Paulo (no Fórum da Barra Funda, zona Oeste).
O terceiro julgamento do Maníaco, foi referente aos assassinatos de Selma Ferreira Queiroz, Patrícia Gonçalves Marinho, Raquel Mota Rodrigues e duas vítimas não identificadas (ele assumiu as mortes das três primeiras e negou ter executado as duas outras). O júri popular, composto por sete pessoas (quatro mulheres e três homens), foi unânime em condenar o motoboy. Os jurados refutaram a argumentação da defesa, comandada pela advogada Maria Elisa Munhol, e consideraram o réu imputável, ou seja, consciente e responsável pelos crimes que cometeu – o que o impede de cumprir pena em manicômio judiciário.
A previsão para o término do julgamento era de 3 dias, mas o número de testemunhas foi enxugado de 14 para seis, incluindo algumas mulheres que foram estupradas e atacadas por ele. Como já havia feito em depoimentos anteriores, Pereira disse que foi possuído por uma "força maligna" quando matou suas vítimas. A defesa, com base em um laudo psiquiátrico, tentou provar que ele era semi-imputável, o que poderia reduzir sua pena em até dois terços e permitira cumprimento da pena em um manicômio. Não deu certo.
O juiz Homero Maion ressaltou, na sentença de condenação, que Francisco de Assis Pereira "agia de forma premeditada na organização e concepção de seus intentos criminosos" e cometia "crimes gravíssimos, hediondos e de elevada repugnância". A irmã de uma das vítimas, em prantos, abraçou o promotor Edilson Mougenot Bonfim após a divulgação da pena.
A punição aplicada sua pena para mais de 271 anos de cadeia. Como a lei brasileira impede que um réu condenado cumpra mais de 30 anos de prisão, as penas serão unificadas após trânsito em julgado de todas as decisões condenatórias. Pereira está preso em Itaí (interior de São Paulo) desde 1998.
Erros da Polícia
Francisco alega que a casa em que vivia era frequentada por muitas pessoas. A polícia tentou identificar o DNA do sêmen encontrado no corpo de Selma. Mas o azar, aliado a uma dose de incompetência, estragou a prova. O número de espermatozóides encontrados — 45 — já era pequeno para um exame conclusivo. Para piorar, os peritos ainda usaram a técnica errada na hora de tingir a amostra.
Na época, a polícia alardeou o fato de que pretendia cotejar o formato das mordidas espalhadas pelo cadáver de Selma com a arcada dentária do principal acusado: Francisco. Alguns peritos disseram que as mordidas foram dadas depois da morte de Selma, quando o fluxo sanguíneo já estava interrompido. Nessa situação, os tecidos são incapazes de reter o molde dos dentes do assassino. Foi um tiro no escuro, porém depois de tantos erros o molde deu certo ajudando na condenação do maníaco pela morte de Selma.
Primeiro por não ter uma “rede de comunicação” entre as delegacias. O Parque do Estado é circundado por diferentes delegacias e alguns dos corpos encontrados tiveram os boletins de ocorrências registrados na delegacia mais próxima do local do encontro do corpo, sem que um delegado soubesse que o outro tinha registrado um caso igual nas semanas anteriores.
O Departamento de Pessoas Desaparecidas do DHPP errou também, pois quando uma das jovens, - Isadora Fraenkel, estudante de 18 anos sumiu-, o pai dela Claudio Fraenkel, foi até a delegacia registrar queixa em 10 de fevereiro (portanto seis meses antes do Maníaco ser preso). Claudio levou com ele dois cheques que estavam com a filha quando ela saiu de casa, um dos cheques tinha sido usado para comprar um capacete em uma loja, mas voltou porque a assinatura era falsa e o banco avisou o pai de Isadora, que foi à loja, resgatou o cheque e descobriu que um rapaz de moto havia comprado o capacete e pago com o cheque com a assinatura falsa.
O rapaz, a pedido do vendedor da loja, deixou um telefone no verso desse cheque, que o pai de Isadora entregou a polícia. O número do telefone era de Francisco de Assis Pereira, que foi localizado e chamado à Delegacia de Desaparecidos onde prestou depoimento. Isadora continuava desaparecida. De boa conversa, Francisco convenceu os policiais de que Isadora era namorada dele, e de que ela havia dado o cheque de presente para que ele comprasse o capacete. Disse também que o pai de Isadora estava inconformado porque não aceitava o namoro deles, porque ele era pobre e a moça tinha dinheiro, era de classe média. O pai de Isadora protestou, disse a polícia que nunca tinha visto o rapaz e que tinha certeza de que a filha não namorava com ele. Não adiantou. Francisco foi considerado apenas um “estelionatário”, um “oportunista” pela polícia e foi liberado. Naquela mesma noite, ele voltou ao Parque do Estado, onde tinha estuprado e matado Isadora, e jogou gasolina no corpo da moça, temendo que se a polícia a encontrasse, a identificaria e ele voltaria a ser procurado.
Depois disso Francisco repetiu o mesmo ritual, matando mais oito jovens. Neste período também estuprou outras cinco moças, no mesmo Parque, e estas por sorte, conseguiram fugir e também prestaram queixas em delegacias. Quando mais um corpo foi encontrado, a imprensa soube do fato e noticiou. Começaram então, a aparecer parentes de outras vítimas, denunciando que suas filhas estavam desaparecidas ou tinham sido encontradas mortas no mesmo local, nas mesmas circunstâncias. Só aí que a Polícia começou a trabalhar.
O caso foi assumido por uma equipe de homicídios do DHPP, sob o comando do delegado Sergio Alves, policial competente e com muita experiência, que determinou como primeira providência, uma busca no Parque do Estado. Resultado: mais corpos foram encontrados. A equipe de Sérgio localizou as vítimas que conseguiram fugir do Maníaco após o estupro, e então elas ajudaram a fazer o retrato falado do agressor. Se não fosse pela iniciativa desse delegado Francisco talvez teria saído impune dos assassinatos; pois afinal, eles haviam prendido o homem responsável por um dos casos de maior repercussão no país, um serial killer, que talvez pudesse ter sido freado após seu primeiro assassinato conhecido, o de Isadora. Se a polícia tivesse trabalhado com mais cuidado, ele teria sido preso antes de cometer mais oito homicídios.
Psicologia
No momento de sua confissão extra-oficial, Francisco relatou uma complicada teia de namoradas, traumas e rancores que segundo ele, formaram seu "lado negro". Falou de uma tia, irmã de sua mãe, que o teria molestado sexualmente na infância ("por causa dela, tenho fixação em seios"). Falou de um ex-patrão, com quem teria um relacionamento homossexual ("sempre que ele chegava perto, eu virava o rosto"). Falou de uma companheira de patinação, Silvia ("uma menina gótica, curtia cemitérios"), que mordera e quase lhe arrancara o pênis. E que por conta desse episódio sente dores durante as relações sexuais, como dizem as mulheres que denunciam ter sido atacadas por ele.
Depois do relato, o desfecho: "Sou ruim, gente. Ordinário". A conversa durou pouco mais de duas horas. Consultada formalmente sobre a confissão, a advogada Maria Elisa Munhol, que dividia a defesa de Francisco com o sócio Ubiratan Alencar, disse o seguinte: "Eu não sou psiquiatra, mas a minha experiência indica que o Francisco deve ter o que os especialistas chamam de 'transtorno de personalidade'. Não descarto a hipótese de ele ter feito essa confissão como uma forma de aparecer mais, de se tornar uma grande estrela, de virar um grande astro. A confissão que vocês têm em mãos não é digna de confiança, nem de crédito".
E de fato Francisco se transformou numa espécie de superstar do mal. Na época ele era assunto em todo o país. Preso, em apenas um dia deu três entrevistas coletivas; e um encontro entre ele e os pais, Maria Helena e Nelson Pereira, foi transmitido ao vivo no Programa do Ratinho e alcançando 38 pontos no Ibope.
Francisco é do tipo que passa despercebido na rua ou no elevador, mas que quando puxa assunto, atrai simpatias. Segundo conhecidos, ele era conversador, gostava de falar e respondia atenciosamente às perguntas que lhe são feitas. São comuns as descrições do Francisco como um cara gente fina. Era o que diziam seus chefes, seus pais e algumas ex-namoradas. "O Francisco é bastante carinhoso e brincalhão. O único defeito é que o tempo livre dele é todo para os patins", disse a estudante Juliana Prado Fanasca de 16 anos, moradora de Guaraci, onde vivem os pais de Francisco, e a ex-namorada dele. Juliana e Francisco ficaram juntos um mês. "Comigo ele era um cara superlegal", conta Ellen Renata Pereira, de 16 anos.
A maioria dos assassinos em série aparentam ser as pessoas mais normais do mundo quando não estão tomados pela pulsão destruidora e sádica. Para começar, muitos são extremamente religiosos, o que lhes confere a aparência de virtuosos cidadãos.
Ao ser preso no Rio Grande do Sul, a polícia encontrou entre as coisas de Francisco dois papeizinhos com orações, uma para o Padre Cícero, outra para São Francisco. Achou ainda um santinho de São Judas Tadeu e um panfleto de uma igreja evangélica de Buenos Aires. Entre as lembranças da infância do pequeno "Tim" — o apelido familiar de Francisco —, sua mãe, Maria Helena, costuma evocar as vezes em que ele ia dormir com o terço nas mãos. "Ele sabia umas rezas que ninguém na família conhecia."
Um outro traço comum aos assassinos em série é o comportamento social aceitável e até admirável. Serial killers como Jeffrey Dahmer e Marcelo de Andrade eram assim, acima de qualquer suspeita. De novo, o acusado de ser o "maníaco do parque" encaixa-se com perfeição nesse modelo. Além das namoradas com doces lembranças dele, Francisco era popular no Parque do Ibirapuera, onde costumava fazer malabarismos sobre patins ao menos uma vez por semana. Craque no esporte, ele pacientemente ensinava aos iniciantes como dar os primeiros passos sobre rodas. Quando ia visitar os pais em Guaraci, as crianças costumavam cercá-lo na rua. Era querido e respeitado.
Há outros traços bastante comuns entre os assassinos em série. Um é a existência de traumas sexuais na infância. Francisco diz ter sofrido abusos de uma tia de nome Diva, irmã de sua mãe, quando tinha 7 anos e morava em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo. Os pais dizem que nunca foram informados de histórias de abuso em casa. Mas confirmam a existência da tal tia e asseguram que ela, de fato, estava por perto de Francisco nessa época. Há alguns anos, Diva perdeu o contato com a família.
Outro é a argúcia que manifestam para realizar os crimes. Eles têm de enganar e aperfeiçoam seus métodos vítima após vítima. Observam detalhes, corrigem o que está imperfeito. Situam-se entre dois limites: ou são mais inteligentes do que a média e por isso capazes de planejar minuciosamente, ou são menos dotados intelectualmente, e matam como bestas-feras.
O pai de Francisco, Nelson Pereira, indagava repetidamente: "Onde foi que nós erramos? Onde foi que nós erramos? Onde foi que nós erramos?" Tim, encolhido no fundo da cela, entre o pai e a mãe, balançou a cabeça, os olhos inundados de lágrimas, e não respondeu. Em vez disso, tratou de estender para a mãe um manuscrito interminável, lavrado em letra hesitante num bloco de cartas, espécie de autobiografia. Por duas horas, a família vasculhou detalhes da infância e adolescência de Francisco, atrás de sinais que pudessem explicar onde e quando o menino Tim se transformou num predador. Os pais o bombardearam com perguntas. Queriam saber por que Tim não comentara com eles que havia sido molestado sexualmente por uma tia, por que não procurou um médico quando começou a sentir vontade de matar. E por que, afinal de contas, ele matou. "Ele disse que não conseguia pedir ajuda. Chegou a dizer que foi abandonado por Deus", conta Maria Helena. Entre uma pergunta e outra, os pais folheavam os escritos. "É tudo confuso. Parece que ele quer escrever sua história para ver se ele mesmo entende", diz Nelson Pereira. Foi o primeiro encontro da família desde a confissão de Francisco.
É difícil entender. No manuscrito, está o relato de um episódio passado há 22 anos. Para Francisco, um momento marcante. Quando tinha 8 anos, o menino matou um filhote de rolinha com um estilingue. Levou o passarinho para casa e tentou colocá-lo numa frigideira. Foi impedido pela avó, mãe de seu pai. Aos berros, ela acusava o garoto: "Assassino, você é um monstro". E deu a rolinha para um gato comer. Francisco conta que caiu num choro convulsivo, arrependido por ter tirado uma vida. Quatro anos depois, ele conta, pediu para trabalhar no açougue da família, na Vila Mariana, bairro de classe média de São Paulo. Ajudou o pai durante três anos. Trabalhou no caixa, no balcão e na entrega. Mas o que mais o marcou foram as visitas aos matadouros. Francisco descreve o morticínio das vacas com detalhes barrocos. Fala do sangue, dos uivos e do sofrimento dos animais. Outra lembrança de Francisco é a ojeriza por velórios. Detestava ver gente morta, ficava angustiado, queria sair correndo. "Era um menino sensível, sensível demais", lembra a mãe.
Em algumas histórias sobre assassinos em série, nos deparamos com relatos de conhecidos ou parentes dizendo que o assassino em questão era normal e até sensível. Apesar de não sentirem empatia e de não vivenciarem algumas emoções, psicopatas possuem a capacidade de entender a importância desses sentimentos para as outras pessoas e possuem a habilidade para fingir essas emoções com o intuito de manipular o outro, ou aparentar normalidade.
Como um caçador, Francisco parecia dotado de um radar para a infelicidade alheia (outra habilidade presentes nos psicopatas). Uma de suas vítimas, Selma Ferreira Queiroz de 18 anos, estava desesperada porque havia acabado de perder o emprego numa farmácia. Francisco a consolou. Rosa Alves Neta de 21 anos, que ele encontrou no Parque do Ibirapuera chorando por um namoro desfeito, também viu em Francisco um solidário ombro amigo.
A certa altura, o depoimento diz: "O interrogando achava até interessante como conseguia ludibriar suas vítimas, pois usava praticamente um jogo de seduções, colocava para elas um mundo de fantasias, sendo que, para tanto, ouvia atentamente o que a pretensa vítima falava de sua vida, e rapidamente conseguia concluir qual a conversa mais agradável que a dominaria".
Impulso canibal - Francisco dizia que era tomado por um "lado ruim", descontrolado, independente de sua vontade. O maníaco, conforme sua própria descrição, agarrou Selma de frente e, gaguejando de nervoso, disse a ela para não reagir, não fazer nada. "Eu olhava firme nos olhos dela e via crescer o terror nela, enquanto eu a acariciava e beijava na boca. Isso me causava muito prazer", disse Francisco. Ele mandou a moça tirar a roupa e deitar no chão, de bruços. Violentada, Selma foi enforcada com um barbante.
Depois, num impulso canibal, ele passou a mordê-la, queria arrancar pedaços dos braços, pernas e partes íntimas. Alternava isso a carícias lânguidas no cadáver, deitado ao lado do corpo. A narração inclui uma menção — a mais chocante de todo o depoimento —, mas que ajuda a explicar por que foram encontrados tão poucos resquícios de sêmen no corpo de Selma, a ponto de inviabilizar o teste de DNA que a polícia pretendia fazer, antes da confissão, para provar que era Francisco o assassino: "[No momento da violência,] o interrogando detinha uma ereção completamente anormal ao seu padrão e não queria ejacular em virtude de só querer dominar, tomar para si, não dar nada em troca. Ao seu ver, ejacular seria dar algo de si para Selma. Mas ele só queria tirar dela".
Com as outras vítimas, Francisco usou um método muito parecido, o tal padrão que caracteriza os assassinos em série. Diz que quase sempre torcia para que as vítimas desistissem de acompanhá-lo. Teria sido assim com a gaúcha Raquel Mota Rodrigues. Ele conta que a conheceu enquanto perambulava entre os vagões do metrô "caçando como um predador". A moça topou ir até o Parque do Estado e até esperou que ele fosse em casa pegar a moto. "Quando eu estava retornando, torcia para que Raquel tivesse desistido da espera. Eu tinha certeza de que se a encontrasse ela seria morta. Infelizmente, Raquel esperou por mim", disse.
"Eu tenho um lado ruim dentro de mim. É uma coisa feia, perversa, que eu não consigo controlar. Tenho pesadelos, sonho com coisas terríveis. Acordo todo suado. Tinha noite em que não saía de casa porque sabia que na rua ia querer fazer de novo, não ia me segurar. Deito e rezo, pra tentar me controlar."
Segundo o criminalista americano Eric Hickey, autor de Assassinos em Série e Suas Vítimas, outro fator que parece estar presente na maioria dos serial killers é a baixa auto-estima e o sentimento sempre presente de solidão". Tim era caladão, reservado, o mais esquivo dos três filhos do casal. Era o que menos atenção recebia de uma das avós, a mesma que o chamou de "assassino" por causa do episódio com a rolinha. Essa avó era uma presença forte na família. Durante a infância e adolescência, Francisco nunca teve medo do perigo. Gostava de velocidade e de altura. O gosto pelas acrobacias sobre patins e pela motocicleta vem daí. À noite, porém, a coragem desaparecia. Desde muito pequeno Francisco é atormentado por terrores noturnos. Acordava suado e aos prantos, exatamente como diz em seus depoimentos. Ainda menino, pulava para a cama dos pais e dizia ter sonhado com mulas-sem-cabeça e sacis. O pai atribuía esse repertório à tradição de superstição da família. "Achava que ele ficava impressionado com as conversas dos adultos."
As transformações de Francisco também não são novidade. Na família, ele é descrito como um sujeito calmo, boa-praça, mas que não pode ser contrariado. "É difícil conseguir contrariá-lo. Mas, se isso acontece, ele fica com o corpo tomado pela raiva", diz a mãe. Francisco teve algumas crises de fúria que entraram para a história da família. Uma delas foi no dia em que deveria apresentar-se ao Exército. Ele se recusava a acordar, apesar da insistência da mãe. Irritado, o pai foi até seu quarto e o obrigou a ficar de pé. Francisco começou a suar muito, teve tremores no corpo. Gritava que não se apresentaria e esmurrava a parede. "Os dentes dele rangiam tanto que eu ouvia de longe", conta Maria Helena. O pavor de Francisco tornou-se motivo de chacota na família. Até que ele se revelou um psicopata e tudo pareceu fazer um perverso sentido.