OBS: Devido ao último caso apresentado aqui no Blog (Beth Thomas), achei interessante apresentar à vocês o que é o Transtorno de Apego Reativo, transtorno esse que não é muito conhecido nem pelos profissionais do Direito e por incrível que pareça nem pelos profissionais de Psicologia! Apesar de não ser conhecido, é um transtorno que vem aparecendo com frequência nos consultórios, instituições de acolhimento e relatos de caso em geral. Apresentarei o transtorno para vocês brevemente, e conforme eu for achando artigos, vídeos e livros posto em Recomendações da Semana!
O Transtorno de Apego Reativo é um grave distúrbio psicológico; a doença é listada no DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais). Afeta crianças e bebês, e a desordem se desenvolve durante a infância, e não pode ser completamente curada. Antes de prosseguir para encontrar as respostas a respeito de como tratar um transtorno de apego reativo, vamos obter uma visão geral dessa doença em si.
Descrição geral da doença segundo o DSM-IV:
313.89 Transtorno de Apego Reativo na Infância
Características Diagnósticas
A característica essencial do Transtorno de Apego Reativo é uma ligação social acentuadamente perturbada e inadequada ao nível de desenvolvimento na maioria dos contextos, com início antes dos 5 anos de idade e associada ao recebimento de cuidados amplamente patológicos (Critério A). Existem dois tipos de apresentação: no Tipo Inibido, a criança fracassa persistentemente em iniciar ou responder à maior parte das interações sociais de uma forma adequada a seu nível de desenvolvimento. A criança apresenta um padrão de respostas excessivamente inibidas, hipervigilantes ou altamente ambivalentes (por ex., vigilância fixa, resistência a ser confortada ou um misto de abordagem e esquiva) (Critério A1). No Tipo Desinibido, existe um padrão de vinculações difusas. A criança demonstra uma sociabilidade indiscriminada ou falta de seletividade na escolha das figuras de vinculação (Critério A2). A perturbação não é explicada unicamente por um atraso no desenvolvimento (por ex., como no Retardo Mental) e não satisfaz os critérios para um Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (Critério B). Por definição, a condição está associada a cuidados amplamente patológicos, que podem assumir a forma de negligência persistente em relação às necessidades emocionais básicas da criança por conforto, estimulação e afeto (Critério C1); negligência persistente em relação às necessidades físicas básicas da criança (Critério C2); ou mudanças repetidas de quem cuida primariamente da criança, evitando a formação de vínculos estáveis (por ex., mudanças freqüentes de pais adotivos) (Critério C3). Os cuidados patológicos supostamente respondem pela perturbação na interação social (Critério D).
Subtipos
O tipo predominante de perturbação na ligação social pode ser indicado pela especificação de um dos seguintes subtipos para o Transtorno de Apego Reativo:
Tipo Inibido: A criança apresenta um padrão de respostas excessivamente inibidas, hipervigilantes ou altamente ambivalentes.
Tipo Desinibido: Este subtipo é utilizado se a perturbação predominante na ligação social é uma sociabilidade indiscriminada ou uma falta de seletividade na escolha das figuras de vinculação.
Características descritivas e transtornos mentais associados: Certas situações (por ex., hospitalização prolongada da criança, extrema pobreza ou inexperiência dos pais) podem predispor ao desenvolvimento de cuidados patológicos. Entretanto, cuidados visivelmente patológicos nem sempre resultam no desenvolvimento de um Transtorno de Apego Reativo; algumas crianças podem formar vínculos e relacionamentos sociais estáveis mesmo em face de acentuada negligência ou abuso. O Transtorno de Apego Reativo pode estar associado com atrasos no desenvolvimento, Transtorno de Alimentação da Primeira Infância, Pica ou Transtorno de Ruminação.
Achados laboratoriais associados
Achados ao exame físico e condições médicas gerais associadas. O exame físico pode documentar condições médicas associadas que possivelmente contribuem para as dificuldades em cuidar da criança ou que decorrem destas dificuldades (por ex., atraso de crescimento, evidências de abuso físico).
Prevalência: Os dados epidemiológicos são limitados, mas o Transtorno de Apego Reativo parece ser muito raro.
Curso
O início do Transtorno de Apego Reativo geralmente se situa nos primeiros anos de vida e, por definição, ocorre antes dos 5 anos de idade. O curso parece variar, dependendo de fatores individuais na criança e em seus responsáveis, da gravidade e da duração da privação psicossocial associada, bem como da natureza da intervenção. Uma melhora considerável ou remissão pode ocorrer com o oferecimento de um ambiente com apoio adequado. De outro modo, o transtorno segue um curso contínuo.
Diagnóstico Diferencial
No Retardo Mental, os vínculos apropriados com os responsáveis geralmente se desenvolvem de um modo consistente com o nível de desenvolvimento geral da criança. Entretanto, alguns bebês e crianças pequenas com Retardo Mental severo podem ser particularmente problemáticos para os responsáveis e apresentar sintomas característicos de Transtorno de Apego Reativo. Este deve ser diagnosticado apenas se estiver claro que os problemas característicos na formação de vínculos seletivos não decorrem em função do retardo.
O Transtorno de Apego Reativo deve ser diferenciado do Transtorno Autista e outros Transtornos Invasivos do Desenvolvimento. Nestes, os vínculos seletivos não se desenvolvem ou apresentam alto grau de desvio, mas isto geralmente ocorre na presença de um ambiente Transtorno Autista e outros Transtornos Invasivos do Desenvolvimento também se caracterizam pela presença de um prejuízo qualitativo na comunicação e padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento. O Transtorno de Apego Reativo não é diagnosticado se são satisfeitos os critérios para um Transtorno Invasivo do Desenvolvimento. O Tipo Desinibido deve ser diferenciado do comportamento impulsivo ou hiperativo característico do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade. Comparado com o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, o comportamento desinibido no Transtorno Reativo de Vinculação está caracteristicamente associado com uma tentativa de formar um vínculo social após um período muito breve de conhecimento.
Cuidados amplamente patogênicos são um aspecto definidor do Transtorno de Apego Reativo. Uma anotação adicional de Abuso ou Negligência à Criança ou Problemas de Relacionamento entre Pai/Mãe-Criança pode ser indicada. Quando os cuidados amplamente patogênicos não resultam em acentuada perturbação na ligação social, Negligência da Criança ou Problemas de Relacionamento entre Pai/Mãe-Criança podem ser anotados, ao invés de Transtorno de Apego Reativo.
Critérios Diagnósticos para 313.89 Transtorno de Apego Reativo na Infância
A. Ligação social acentuadamente perturbada e inadequada ao nível de desenvolvimento na maioria dos contextos, iniciando antes dos 5 anos e evidenciada por (1) ou (2):
(1) fracasso persistente em iniciar ou responder de maneira adequada ao nível de desenvolvimento à maior parte das interações sociais, manifestado por respostas excessivamente inibidas, hipervigilantes ou altamente ambivalentes e contraditórias (por ex., a criança pode responder aos responsáveis por seus cuidados com um misto de aproximação, esquiva e resistência ao conforto, ou pode apresentar uma vigilância fixa)
(2) vinculações difusas, manifestadas por sociabilidade indiscriminada, com acentuada incapacidade de apresentar vinculações seletivas adequadas (por ex., familiaridade excessiva com pessoas relativamente estranhas ou falta de seletividade na escolha das figuras de vinculação)
B. A perturbação no critério A não é explicada unicamente por atraso no desenvolvimento (como no Retardo Mental) e não satisfaz os critérios para Transtorno Invasivo do Desenvolvimento.
C. Cuidados patogênicos, evidenciados por pelo menos um dos seguintes critérios:
(1) negligência persistente em relação às necessidades emocionais básicas da criança por conforto, estimulação e afeto
(2) negligência persistente quanto às necessidades físicas básicas da criança
(3) repetidas mudanças de responsáveis primários, evitando a formação de vínculos estáveis (por ex., mudanças freqüentes de pais adotivos)
D. Existe uma suposição de que os cuidados no Critério C são responsáveis pela perturbação comportamental no Critério A (por ex., as perturbações no Critério A começaram após os cuidados patogênicos no Critério C).
Especificar tipo:
Tipo Inibido: o Critério A1 predomina na apresentação clínica.
Tipo Desinibido: o Critério A2 predomina na apresentação clínica.
Achados laboratoriais consistentes com desnutrição podem estar presentes. Neste subtipo, a perturbação predominante na reatividade social é o fracasso persistente em iniciar e responder à maioria das interações sociais de um modo adequado ao nível de desenvolvimento.
O que causa transtorno de apego reativo?
Quando um bebê é ignorado e não recebe os cuidados adequados e nem atenção, desenvolve uma antipatia para com os pais e cuidadores. Há muitas causas que levam a esse transtorno de apego em crianças, e se não forem tomadas medidas para impedi-lo, pode levar a muitas complicações futuras. Uma criança com transtorno de apego reativo não pode ser curada totalmente, mas algumas medidas podem ajudar a criança a se desenvolver e vir a ser maduro e responsável. Conforme a criança cresce, ele / ela pode achar que é difícil estabelecer relações de confiança com as pessoas ao redor.
Em um transtorno de apego reativo, a criança não consegue estabelecer um vínculo com os pais ou com o cuidador. Não podemos dizer com certeza quais as causas que levam a essa desordem, as causas podem variar de um caso para o outro. A infelicidade da mãe grávida durante a gravidez também pode desenvolver essa doença em um bebê; o mais aceito é que o comportamento hostil de um cuidador/dos pais é a razão para o transtorno de apego reativo em crianças. O comportamento hostil e ressentido afeta o desenvolvimento cerebral da criança, a criança não se sente segura na companhia dos pais, e vivencia a falta de apego. Se o cuidador não se comporta bem, a criança tende a restringir-se socialmente, e tem dificuldade de se relacionar com as pessoas ao redor. Uma criança em um orfanato também pode desenvolver um transtorno de apego reativo, porque ele não recebe bastante amor e cuidado, e também é submetido a um comportamento severo na maioria das vezes. A criança também carece de atenção dos pais, no caso de existirem outros problemas na família; um filho de pais com história de doenças mentais é também suscetível a desenvolver esta desordem. Os sintomas do transtorno de apego reativo começam a mostrar-se muito cedo, mesmo antes da criança atingir cinco anos de idade.
Esta perda de sentimentos por parte da criança/adulto resultam em vergonha, raiva, falta de confiança, um medo mórbido de se apegar alguém, uma incapacidade de compreender o pensamento de causa e efeito e uma necessidade compulsiva de controlar todas as situações.
Os casos extremos são normalmente causados por negligência crônica na infância, seguido por anos de instabilidade uma combinação muito comum para crianças que vivem em lares adotivos.
Sem intervenção adequada, estas crianças têm pouca chance de construírem relacionamentos significativos. Na assistência social, muitas vezes eles vão de um orfanato para o outro, e isso acontece por causa da gravidade dos problemas de comportamento da criança; porém cada movimento agrava a condição. Crianças com Transtorno Reativo de Apego são mestres em rejeitar os cuidadores e em destruir pontes.
Eles são estigmatizados como inadaptáveis e freqüentemente passam suas infâncias inteiras em um orfanato, um sistema projetado para ser temporário. O extremo disso inclui as crianças que são violentas, destrutivas, perigosas e sociopatas.
O desenvolvimento cerebral em crianças negligenciadas é diferente das Crianças Saudáveis; as experiências no início da vida têm um impacto tremendamente importante no desenvolvimento do cérebro. No córtex cerebral (onde a emoção, a linguagem e a lógica são desenvolvidas) por exemplo, traumas ou falta de estimulação durante a infância levam ao subdesenvolvimento dos neurotransmissores nessa região.
Consequentemente, esta parte do cérebro é realmente menor em crianças abusadas e negligenciadas do que em crianças saudáveis. Crianças traumatizadas secretam quantidades anormalmente elevadas de hormônios de stress, que têm uma miríade de efeitos adversos a longo prazo.
Assim, quando uma criança com Transtorno Reativo de Apego parece incapaz de adquirir confiança ou empatia ou remorso, há boas razões para acreditar que sua etiologia é neurológica e não apenas uma desobediência intencional.
Os sintomas de Transtorno de apego reativo em bebês:
* O bebê chora e evita qualquer bajulação dos pais.
* O bebê nunca sorri e está sempre com um humor ruim.
* Os bebês normalmente reagem quando você os deixa sozinhos, mas bebês com transtorno de apego reativo não mostram quaisquer sinais.
* O bebê evita contato visual, e não reage ou faz qualquer ruído quando as pessoas estão ao redor.
Os sintomas de Transtorno de apego reativo em crianças e adultos:
Crianças acima de 3 anos de idade e adultos podem apresentar os seguintes sintomas:
* Essas crianças evitam estranhos, e qualquer cuidado ou o amor vindo deles.
* Pessoas com esse transtorno são difíceis de lidar e muitas vezes se comportam de forma agressiva. Há muitas vezes uma exibição de um sentimento de raiva e ressentimento para com os outros.
* As pessoas com este transtorno são observadores argutos, mas nunca participam de qualquer discussão.
* Eles sempre escondem suas emoções e nunca compartilham seus sentimentos com os outros.
Os sinais podem ser por vezes contraditório. O comportamento é classificado em dois tipos - comportamento inibido e desinibido. No comportamento inibido, a criança se isola do mundo social e se mantém longe de estranhos. No tipo de desinibido, as crianças e adultos com este transtorno muitas vezes procuram a atenção dos outros.
Tratamentos para o transtorno de apego reativo
A boa notícia é que, com o tratamento adequado, crianças com esse transtorno podem ser reabilitadas e se ajustarem bem dentro da família e na sociedade. Nas mãos de um terapeuta qualificado juntamente com cuidadores/pais dedicados, as crianças normalmente apresentam sinais de melhora acentuada em questão de meses.
No entanto, as tradicionais terapias cognitivas / comportamentais são ineficazes no tratamento da doença, e em alguns aspectos contraproducentes, assim como são os métodos típicos utilizados pelos pais. Sem tratamento adequado, as crianças com apego comprometido continuam a lutar contra as aproximações.
Esse é o grande problema: apenas uma pequena porcentagem das crianças que necessitam de tratamento especializado para a doença estão recebendo tratamento. Os cuidadores/pais precisam de treinamento especial para que o tratamento seja eficaz. Muitas vezes os pais adotivos perdem a fé n os profissionais de saúde mental e de assistência social, e consequentemente em suas habilidades de serem pais. Eles se sentem impotentes e sem esperança
Intervenção precoce é fundamental
Como a maioria das doenças, a prevenção e intervenção precoces são as melhores soluções. Os cuidadores/pais e a criança devem desempenhar um papel ativo durante o tratamento do transtorno. Os tipos de tratamentos mais aceitos para distúrbios de apego incluem:
- Terapia de aconselhamento para as crianças e seus cuidadores/pais;
- Tratamento de saúde mental (envolvendo medicamentos ou não) para os cuidadores/pais de crianças que estejam mais debilitados emocionalmente;
- Terapia de família;
- Palestras que enfatizem os cuidados físicos e emocionais que se deve ter com as crianças;
- Manter a criança em um ambiente doméstico saudável e aconchegante;
- Exibir afeição física e verbal sem medo de recusas pela criança, buscando desenvolver sentimentos como empatia, compaixão e sensibilidade ;
- Medicamentos quando necessário, para diminuir a hiperatividade, “raiva explosiva”, ou outras comorbidades- quando devidamente diagnosticadas.
Se o transtorno de apego faz com que a criança a se comportar de uma maneira que coloca a mesma ou outras pessoas em risco, um médico ou um psicólogo pode recomendar tratamento hospitalar.
Um Caso Real
Na bancada da cozinha de sua casa num subúrbio de Cleveland, Estados Unidos, Heidi Solomon fatiava o queijo para o sanduíche do filho de 10 anos. Era uma tarde comum de abril – tão comum quanto qualquer outra dos três tumultuados anos desde que ela e o marido, Rick, adotaram Daniel. “Não quero isso”, dizia o garoto, irritado. Heidi, uma mulher esguia, pouco mais alta do que Daniel, de 1,50 m, não respondeu. Sabia que a hostilidade do filho não tinha nada a ver com ela.
Daniel passara os primeiros anos de vida num orfanato que parecia uma prisão. Embora fosse amoroso quando os Solomons o adotaram, com o tempo seu comportamento piorou. Quebrava brinquedos, atacava outras crianças e, por fim, foi expulso da escola e encaminhado a um hospital psiquiátrico.
Ainda assim, Heidi não estava preparada para o que iria acontecer em seguida. Com raiva, Daniel pegou do balcão uma faca e encostou-a na garganta dela.
Até sua adoção, Daniel – nascido Florin-Daniel Bica – nunca tivera um par de sapatos, jamais havia sido educado, e nunca recebera sequer um abraço. Ele não sabia se tinha pais. Através de uma única janela, podia ver o mundo além do quarto do orfanato compartilhado com dezenas de garotos. “À noite, víamos as luzes da cidade”, lembra ele, agora com 18 anos. “Eu ficava imaginando o que seria aquilo tudo.”
Foi então que, num dia de outubro de 1996, um homem o conduziu do orfanato até um carro que o esperava. “Eu não tinha ideia do que estava acontecendo”, conta Daniel. “Parecia um sonho.” Em pouco tempo, ele estava num aeroporto, e o homem o mandava cumprimentar um casal. Heidi começou a chorar ao ver aquele menino de casaco azul que acenou com timidez. “Foi aí que teve início minha segunda vida”, diz Daniel, com um sorriso.
Aos 15 anos, Heidi havia se comprometido a adotar uma criança. Tomou essa decisão depois de se mudar para Maryland a fim de, por três anos, treinar como ginasta. Durante esse período, morou com sete famílias diferentes e, em geral, se sentia mais um fardo do que uma convidada. Quando voltou para casa, em Ohio, percebeu a importância da família. “Decidi não ter filhos biológicos, pois há muitos por aí precisando de ajuda”, conta ela.
Tornou-se professora de alunos portadores de necessidades especiais, trabalhando com gangues e crianças com problemas emocionais. Rick, que trabalha com marketing em uma empresa de máquinas de venda automática, não estava tão entusiasmado com a adoção, mas concordou como parte do pacote ao se casar com Heidi.
Pouco depois do casamento, em 1994, o casal iniciou o processo de adoção em outros países. Certa noite, ao folhear o catálogo de uma agência, Heidi se deteve diante da foto de uma criança sorridente com pele cor de caramelo e cabelos negros. “Eu disse a Rick: ‘Este é o nosso filho’”, lembra ela.
Na ocasião, o garoto vivia num austero orfanato em Beclean, Romênia. Os funcionários alimentavam e limpavam as crianças, e às vezes batiam nelas com varetas; fora isso deixavam que se virassem sozinhas.
Nos primeiros seis meses em sua nova casa, Daniel parecia se adaptar bem. Fascinado pelo universo desconhecido, adorou falar ao telefone e, com a nova mãe, aprender a nadar. Mas já apresentava sinais de problemas: tinha acessos de raiva e não conseguia dormir sozinho. Embora entendesse várias palavras em inglês, ainda se comunicava com dificuldade quando entrou na primeira série da escola pública local.
No dia em que completou 8 anos, porém, algo mudou. Foi durante a festa de aniversário organizada pelos pais – a primeira em sua vida – que Daniel percebeu claramente que alguém o trouxera ao mundo e depois o abandonara. O pensamento tomou conta dele com fúria. “Na minha imaginação, Heidi e Rick tinham me abandonado durante sete anos e, depois, me trazido de volta e tentavam agir como se nada tivesse acontecido”, conta Daniel. Eles explicaram várias vezes que não eram seus pais biológicos, mas Daniel não se convencia. “Não me importava o que dissessem”, explica. “A raiva tomou conta de mim.”
Ele irrompia em acessos que duravam horas, atirando qualquer coisa que suas mãos alcançassem e cavando buracos nas paredes da casa inteira. Por fim, Heidi e Rick tiraram tudo de seu quarto, exceto um colchão. Mas as explosões pioraram. Quando Daniel completou 10 anos, os pais lhe deram um cãozinho, que o menino imediatamente tentou estrangular. No mês seguinte, Daniel voltou da sinagoga num carro da polícia, depois de agredir um grupo de crianças com uma pá.
Os Solomons recorreram a terapeutas; Daniel mordeu um na barriga, deixando um corte de oito centímetros. Por três vezes, foi enviado a um hospital psiquiátrico, uma delas depois de ameaçar o diretor da escola com um caco de vidro. As internações apenas aumentavam sua raiva. “Antes ele sentia uma frustração que aumentava progressivamente”, diz Heidi. “Mas, depois de ter estado no hospital, tornou-se deliberadamente violento.”
Heidi era o alvo preferido de Daniel. Ele chegou a sorrir depois de golpeá-la com a cabeça e ver o hematoma ao redor do olho da mãe. Atingiu-a com um taco de golfe, e, mais de uma vez, quando Rick não estava em casa, Heidi pediu socorro à polícia. Talvez a única pessoa que Daniel odiava tanto quanto Heidi era ele mesmo. Falava em suicídio com frequência e fez várias tentativas, ao pular de janelas ou árvores.
A família começou a ruir: Rick falava em ir embora e Heidi se consumia em culpa. Especialistas em saúde mental, amigos e parentes diziam a Heidi que não havia esperança, que Daniel nunca a amaria e que ela deveria abrir mão dele. Mas Heidi se recusava a desistir. “Sabia que o motivo era o que lhe havia acontecido. E sabia que ele precisava de uma família. Daniel é meu filho. Nunca questionei isso.”
No dia em que Daniel lhe apontou uma faca, Heidi, treinada para lidar com alunos violentos, não demonstrou emoção. Retirou a faca das mãos dele com um golpe, e ele recuou. Foi o fim da crise. Só mais tarde ela se permitiu pensar no que poderia ter acontecido. Daniel era um menino franzino de 10 anos, mas estava crescendo. Heidi sabia que não poderiam continuar a viver daquela maneira. Até então, vários medicamentos psicotrópicos haviam sido prescritos para o garoto. Alguns foram inúteis; outros pareceram ajudar a estabilizar suas violentas mudanças de humor. Nenhum deles, porém, pôde tratar seu diagnóstico mais grave: transtorno de apego reativo, doença que impede o paciente de criar vínculos com outras pessoas.
“Uma criança portadora desse transtorno acredita que é má, indesejada, desprezada e impossível de ser amada”, escreveram os psicoterapeutas Terry Levy e Michael Orlans numa publicação médica que Heidi encontrou na Internet. O resultado é uma profunda sensação de alienação que gera raiva e violência. Em resumo: Daniel era incapaz de amar. Embora raro, o transtorno costuma ser encontrado em crianças que sofrem abusos.
Nos últimos anos, sob enorme pressão de governos ocidentais e com a ajuda de organizações sem fins lucrativos, a Romênia tem tomado providências para melhorar o cuidado com suas crianças abandonadas. Embora as condições em algumas instituições ainda sejam terríveis, o Romanian Children’s Relief (Alívio para Crianças Romenas), grupo com sede nos Estados Unidos que trabalha na região, ajudou a fechar muitos dos piores orfanatos. Agora, o orfanato em que Daniel viveu foi modernizado para se assemelhar a um alojamento universitário.
Essas mudanças chegaram muito tarde para ajudar Daniel, e o tratamento do transtorno de apego reativo pode ser não apenas difícil, mas também polêmico.
Em 1999, Heidi estava disposta a tomar medidas drásticas. Entrou em contato com Ronald Federici, neuropsicólogo que prescreveu um tratamento mais brando, porém rigoroso. Por dois meses, Heidi ficaria a um metro de distância de Daniel o tempo todo. Ele não deveria pedir nada, apenas aceitar a comida e as roupas que ela lhe desse. E o mais importante: era necessário que ele fizesse contato visual todas as vezes que os dois interagissem. A ideia era recriar o laço mamãe-bebê que os dois nunca haviam desenvolvido.
“Durante as primeiras semanas, eu odiava minha mãe tanto quanto é possível odiar uma pessoa”, conta Daniel. Com o tempo, ele começou a mudar. Passou a entender que Heidi e Rick não eram seus pais biológicos, e, de alguma forma, a afeição intensa fez com que ele se conscientizasse. A raiva se dissipou. Após oito semanas, seus surtos violentos cessaram e ele parou de tentar se machucar.
Apesar disso, as emoções tumultuadas de Daniel se manifestavam de formas diferentes, e ele passou a ter um comportamento passivo-agressivo: jantava o mais devagar possível e começou a roubar objetos. Mas, em comparação com o que Heidi e Rick haviam passado, isso parecia controlável. O casal então fez algo que até Rick chamou de insano: adotou outro menino órfão do Leste Europeu. Alexander Joseph – A. J. –, de 2 anos, chegou da Ucrânia para se unir à família quando Daniel estava com 12 anos.
Imediatamente, Daniel sentiu ciúmes. Começou a brincar com fósforos e, em determinado momento, ameaçou se matar. Desesperados, Heidi e Rick tentaram outro tipo de terapia de vinculação. Todas as noites, sentavam Daniel, na ocasião com 13 anos, no colo de um deles. Davam-lhe sorvete e não o deixavam sair até que fizesse contato visual e conversasse com os pais. Não houve grandes avanços, mas, durante meses com o ritual, combinado com terapia profissional intensiva, Daniel apresentou uma transformação.
Passou a valorizar tudo o que os pais haviam feito por ele e a perceber que o amavam. Começou a se abrir, parou de roubar e fez algumas amizades. E sua relação com A. J., que lutava com seus próprios problemas de comportamento – inclusive hiperatividade e uma versão branda do transtorno de apego reativo –, melhorou. Daniel sentiu orgulho do papel de irmão mais velho, e, às vezes, até cuidava de A. J.
Com o incentivo de Heidi, também começou a ajudar outras pessoas. Tornou-se líder do grupo jovem da sinagoga, construiu casas com o grupo Habitat for Humanity (Hábitat para a Humanidade) e começou a treinar como bombeiro voluntário. Há dois anos, para espanto de todos, foi premiado na sinagoga como aluno destaque da escola. Recebeu o prêmio com um discurso para 300 pessoas. Nele, Daniel falou do início de sua vida no orfanato e agradeceu toda a mudança a Heidi e Rick. Em seguida, com a voz embargada, falou as palavras que os pais temiam nunca ouvir de sua boca: “Amo vocês.”
“Foi, sem dúvida, o momento mais incrível da minha vida”, afirma Heidi.
A batalha ainda não terminou para Daniel, que ainda faz terapia e, embora seja perfeitamente articulado para conversar, apresenta dificuldade de ler e escrever. Apesar disso, deve concluir o ensino médio. A faculdade não é uma opção realista, mas Daniel tem outros planos: espera se tornar bombeiro profissional. Por experiência própria, aprendeu o que significa dar – e até arriscar – tudo por alguém. E agora pretende colocar essa lição em prática.
Tratamentos Controversos
A Academia Americana de Psiquiatria pediátrica explica que alguns praticantes promovem tratamentos potencialmente prejudiciais — e possivelmente mortais — para o transtorno de apego.
Em muitas áreas, estas técnicas constituem abuso infantil e podem agravar o transtorno de apego reativo. Estas estratégias perigosas incluem fazer a criança a passar fome ou forçar a criança a comer ou beber; vinculação ou subordinação a criança puxando os membros da criança; ou gritar com o filho até que ele ou ela se submeta aos desejos do cuidador.
Especialistas alertam os pais e cuidadores para terem cautela e cuidado com os profissionais de saúde mental que promovem essas técnicas, que não podem ser considerados tratamentos seguros e eficazes.
Um fato interessante com relação a essa história: Em abril de 2000, Connel Watkins, a terapeuta de Beth Thomas, conduziu uma sessão de terapia fatal em uma menina de 10 anos chamada Candance Newmaker. A terapia conhecida como “renascimento” culminou na asfixia de Candance. Connel foi condenada a 16 anos de prisão, cumpriu 7 anos e foi libertada em 2008. Ela foi proibida de trabalhar com crianças. Clique aqui para mais informações sobre esse caso.
Fontes:
- Associação Americana de Psiquiatria n/a Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (revista 4 ª ed.). Washington, DC: autor.
- Dulkan, M.K n/a Livro do Dulcan de criança e Adolescent Psychiatry. Arlington, VA: American Psychiatric Publishing, Inc.
Muito bom o texto, parabéns!
ResponderExcluirChorei... Há meses que busco uma explicação para alguem que amo muito e não achava. Formo este semestre em Psi e nunca tinha ouvido falar sobre este transtorno. Sei que jamais devemos rotular uma pessoa a um diagnóstico, mas também sei da importancia de estudarmos os transtornos para oferecer cada vez mais um melhor atendimento a nossos pacientes. Estou impressionado com o que li. Obrigado pelo texto.
ResponderExcluirMuito obrigada pelas palavras! Esse artigo é 100% escrito por mim, e fico feliz em saber que o esforço não foi em vão. Vai atrás de ajuda para essa pessoa, consulte psiquiatras e psicólogos. Se precisar de ajuda, me escreva: tamara_arianne@hotmail.com
ResponderExcluirOlá! O mundo da Psicologia é realmente fascinante. Gostaria de saber qual é a relação entre Transtorno de Apego Reativo e Psicopatia Infantil, pois já procurei em vários sites e não acho. Aguardo respostas!!
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