Camila Garcia da Silva entrevista ALVINO AUGUSTO DE SÁ
O entrevistado do Bate-Bola dessa edição da Revista Liberdades possui graduação, mestrado e doutorado em psicologia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, além de ser professor de Comportamento Humano Forense I, Criminologia I e Psicologia Forense na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), a tradicional Academia do Largo São Francisco, sendo muito querido por seus alunos. Alvino Augusto de Sá também é colaborador do IBCCRIM e autor de obras como Criminologia Clínica e Psicologia Criminal (Editora Revista dos Tribunais), Reincidência criminal sob o enfoque da Psicologia Clínica Preventiva (Editora Pedagógica e Universitária) e organizador de Criminologia e os Problemas da Atualidade (Editora Atlas).
A entrevista foi realizada pessoalmente por Camila Garcia da Silva, aluna da Faculdade de Direito do Largo São Francisco e estagiária do IBCCRIM, no próprio Instituto.
Professor, como o senhor se interessou por criminologia? E por que, como psicólogo, passou a atuar na área do Direito?
ALVINO AUGUSTO DE SÁ – Antes de me formar psicólogo pela PUC, tive a oportunidade de fazer um estágio na Penitenciária do Estado por 9 meses, e meu interesse já nasceu por essa questão criminal, prisional, penitenciária, criminológica e pelo diagnóstico criminológico.
Antes de formado também, quando era bacharel, prestei concurso na reitoria da USP e passei a trabalhar como assistente técnico de seleção. Assim surgiu meu interesse pela seleção organizacional, que tive a oportunidade de experimentar lá.
Depois fui para o Bradesco, no centro educacional, em que tive também uma experiência na área escolar e, novamente, na área de seleção. Eu trabalhei um bom tempo na área de seleção do Bradesco, centralizando-a, em São Paulo, na agência Nova Central.
Depois, comecei no magistério superior na Universidade de Guarulhos. Ministrava, inicialmente, psicologia social e, depois, psicologia do desenvolvimento. Em seguida, passei para técnicas de exame psicológico, em que me estabilizei, e, unindo as técnicas de exame psicológico e exame criminológico, foi por onde eu me enveredei, uma vez que, em 1972, comecei a trabalhar na Penitenciária como psicólogo. Comecei a sintetizar, a unir essas duas coisas: técnicas de exame psicológico no magistério superior e o diagnóstico criminológico na Penitenciária do Estado. A partir daí as minhas atividades se centralizaram quase que exclusivamente sobre esses temas.
O senhor sempre desejou tornar-se professor? E como tem sido sua experiência em lecionar para os estudantes de Direito?
AAS – Eu não pensava nisso antes de me formar. Foi um convite que me foi feito. Comecei e gostei da experiência, mas não pensava nisso. Comecei no magistério em psicologia social, uma disciplina que não era bem a minha área de atuação, já que gosto de lecionar aquilo em que trabalho. Posteriormente, passei a lecionar sobre técnicas de exame psicológico, que foi no que me desenvolvi mesmo, pois os alunos gostavam muito mais. Enfim, foi nisto que dominei a coisa e conquistei um espaço bastante significativo na Universidade.
Após essa experiência, comecei a dar aulas de criminologia na Faculdade de Direito da USP, onde passei realmente a lecionar aquilo que é o meu exercício profissional, qual seja, o diagnóstico de tratamento penitenciário e a criminologia clínica. Matérias em que me encontrei ainda mais, até mesmo mais que na própria Psicologia.
Porque eu gosto muito de lecionar na área do Direito e de fazer palestras nessa área. Parece um pessoal mais interessado, eles vibram mais com essa questão penitenciária do que se eu projecionar em uma turma de Psicologia. Por exemplo, em uma turma de Psicologia de 80 alunos, se você for pesquisar e observar quem tem interesse na área de criminologia e psicologia jurídica, encontrar 4 alunos já é muito. O restante não tem interesse, ao passo que, se eu for lecionar para uma classe de direito, diria que 80 a 100% têm interesse nessa área, mesmo não que vá trabalhar com isso. Além disso, agora que a criminologia tornou-se uma matéria optativa, espera-se que realmente quem escolha já tenha interesse na área penal. Então, eu gosto muito de lecionar no Direito, pois eu me encontro e me identifico.
Professor, o senhor pode nos explicar, em linhas gerais, no que consistem os projetos GETCRIM e GEDUCC? Em relação ao último, quais são os benefícios atingidos quando se dá a aproximação entre os estudantes e os encarcerados?
AAS – O GETCRIM, Grupo de Estudos sobre Temas de Criminologia, é um grupo teórico que foi criado, primeiro, com a finalidade de estudar, discutir e debater textos, que se abre para todo o leque da criminologia. Diante do histórico do GETCRIM, ele se abre mais sobre os estudos da criminologia sociológica e crítica, pois os alunos têm muito interesse em estudar as Teorias Críticas.
Já o GEDUCC é um grupo de inserção na prática. Tem uma palavra que não gosto muito de usar, pois pode ser mal interpretada, mas seria um grupo de intervenção. É que esse termo dá a impressão de coisa policialesca ou do governo federal que vai intervir. Mas o GEDUCC é um grupo de atuação que vai ao cárcere e procura construir um diálogo entre ele e a academia, entre um subgrupo de acadêmicos e um subgrupo de presos.
Quanto a benefícios, temos objetivos de que, da parte dos presos, eles vejam, sintam e que reascenda neles aquela experiência de que eles têm valor, porque estão conversando de igual para igual com universitários. Portanto, em primeiro lugar, temos essa valorização. Em segundo lugar, é uma oportunidade de debater, de fato, os seus pontos de vista com outros pontos de vista, ou seja, o ponto de vista dos detentos e dos acadêmicos, dentro de suas respectivas experiências e histórico.
E, na parte dos acadêmicos, há um crescimento, uma vez que eles descobrem uma outra realidade, que não imaginavam, ao lado dos encarcerados enquanto pessoas. E descobrem, em si mesmos, seu lado delinquente e crescem muito com isso. Não no sentido de aprender mais com a criminologia, porque assim, os presos seriam, simplesmente, objetos de estudo. Não é isso que a gente quer. Eles aprendem porque crescem com a própria discussão e ao ouvir os presos e suas opiniões. Assim, descobrem que esses criminosos têm uma história humana por trás daquilo, na qual se enraíza e tem sentido e, por consequência, passa a ter sentido toda a visão que eles têm da vida, da ética e dos valores. Enfim, o que para nós é muito válido em função da nossa história de vida, para eles também é. Da mesma forma, a visão deles é muito válida em função de sua história de vida.
O senhor acha adequado o uso de expressões como “reinserção social” ou “ressocialização do preso” ou, na prática, temos, na maioria das vezes, um indivíduo que já estava marginalizado?
AAS – O problema não é o “re” que tanto se fala, porque quando falamos ressocialização, reintegração, há uma diferença fundamental de conceito. E essa diferença não está no “re”. Mas se você quiser falar de socialização, não use ressocialização, ou se quiser falar de integração social, não fale de reintegração social. Então o “re” é o que menos interessa, e para mim isso já está superado. Há 20, 30 anos atrás, já ouvia falar dessa história. A questão é o próprio conceito, porque quando se fala de ressocialização ou de socialização, a gente está pensando em estratégias para o preso assimilar e aprender a ética social e se conscientizar dos valores sociais, permitindo, assim, que ele tenha condições de se reinserir socialmente.
Quando se fala em integração ou reintegração, não tem essa história de assimilar a ética social ou os valores sociais, porque tudo isso eles já sabem. E nisso eles não acreditam. Os presos não acreditam por uma série de precedentes em sua história de vida e por uma série de precedentes na própria história da sociedade. Por que eles vão acreditar em valores que não lhe trazem benefício algum, valores de um grupo ao qual eles não pertencem, que não quer aceitá-los e para o qual eles se sentem despreparados para voltar? Por que eles vão aceitar valores que não são respeitados por esse próprio grupo a partir de seus líderes, que vêm de Brasília e que se dizem legisladores, governantes e executivos... Então isso caiu totalmente em descrédito perante os presos.
Ao falarmos de integração, reintegração, devemos ter em mente essa oportunidade de diálogo que, pelo menos, faz com que eles enxerguem uma luz no fim do túnel, no sentido de eles terem direito, terem condições, terem capacidade e de pertencerem a esse grupo, sem exigências. O GEDUCC é uma experiência pequena, que eles tem durante 2 ou 3 meses, mas é significante para muitos, no sentido de eles experienciarem essa pertença, essa convivência em grupo. De repente, eles descobrem que isso é possível.
Então, quando eles se valorizam e têm uma experiência de pertencimento, de que é possível a integração a esse grupo, eles se sentem mais seguros, fortes e exigentes, de cabeça erguida quando voltarem para tal grupo. Ao entrar nesse grupo, passando a ter valor para seus membros, então, as normas desse grupo passam a ter valor para os ex-detentos também.
Ao contrário do que se pensa, não é que se espera primeiro a socialização, quer dizer, o aprendizado da ética e dos valores, para, depois, a integração e a reinserção. Primeiro, uma experiência de integração, de pertença, de valorização de si mesmo. Portanto, uma experiência de capacidade de reinserção, de integração com o grande grupo social. Dessa forma, eles se sentem motivados, não capacitados, a aderir a esses valores ou, pelo menos, a ter uma consciência desses valores e decidirem, conscientemente, o que eles querem de suas vidas.
E, ainda, qual seria a aplicabilidade dessa tese, vez que um dos métodos mais importantes para a “ressocialização” de um indivíduo seria a inserção no mercado do trabalho, conforme observamos, atualmente, em projetos como o “Começar de novo” do CNJ? No entanto, apesar do grande problema do desemprego em nossa sociedade, não é paradoxal que o próprio Estado exija que, para a ocupação de determinados cargos públicos, se apresente uma declaração de bons antecedentes criminais?
AAS – É uma hipocrisia perfeita, não é? Porque, para o sujeito ocupar, ou até mesmo estagiar, um cargo do Estado, seja ele uma ocupação simples, de início de carreira, como a de assistente administrativo etc., exige-se que ele tenha uma vida pregressa limpa. Se ele tiver algum antecedente, há cinco anos atrás, às vezes, só o fato de ele estar sendo processado, já não pode assumir esse cargo de assistente administrativo.
No entanto ele pode assumir o cargo de deputado federal, senador, governador e presidente. Portanto, é uma hipocrisia perfeita desse governo, desse Estado, desse país e dessa sociedade. Eu não tenho como responder, senão reforçar o paradoxo que você está apontando, e isso tudo passa para os presos e disso tudo eles têm consciência e sabem que essas coisas acontecem. Esse mesmo Estado que luta pela sua inserção, propõe as empresas “vamos começar de novo” e cria programas de estímulo para eles encontrarem seu lugar, ele próprio, não os aceita. Não sei o que responder a você a não ser que isso é uma grande hipocrisia, e mais, esse mesmo Estado que não aceita, aceita pessoas com ficha suja, que têm não sei quantos processos em andamento, verdadeiros ladrões, assaltantes do povo.
No que tange a violência juvenil, podemos entender que a banalização da violência exposta nos meios de comunicação, amplamente exibida em cenas de filmes e jogos, levaria o adolescente a praticar algum tipo de delito? E quais as medidas possíveis para evitar esse tipo de contato, tendo em vista as propostas de fiscalização e censura?
AAS – Parece-me que já foi feita alguma pesquisa no Brasil. Não saberia lhe citar agora. Apenas sei que foi feita uma pesquisa sobre a força que esses filmes tem de estimular a violência e me parece que o resultado foi negativo, quer dizer, que eles não tem a força de estimular e de provocar a violência. Agora uma coisa é certa: se não provoca a violência, também não estimula a paz. Se a gente for dizer alguma coisa nesse sentido, lá vem aquela velha medida nesse país: “vamos censurar”. Parece que é a única coisa que se sabe aqui e que se pensa nesses casos: censura e punição. Será que não existe alguma outra saída no lugar de censura e punição? Que tal a educação? A mídia tem a disposição uma série de programas, não são somente os violentos. Existem outros canais interessantes, mas também existem canais que são especializados em porcaria, em besteira, em Big Brother, e nessas coisas que não educam em nada e não servem para absolutamente nada... Acho que a mídia, nesse sentido, banaliza a violência, o sexo, e coloca tudo a disposição. E, depois, essa própria mídia reclama da violência, dos crimes sexuais. Não sei se censura resolve, porque sou contra, em princípio, à lei resolver as coisas.
Não acredito que seja possível resolver as coisas por leis, por censuras e punições, e sim pela educação. Esqueçamos os Big Brothers, o ideal seria que as pessoas fossem educadas para selecionar os seus programas. Há outros programas que são educativos em outros canais, mas o problema não está na censura, não está na punição, mas estaria na educação. Agora, que estes filmes, que estes programas não trazem muita coisa de proveito, não trazem. Segundo, banalizam o sexo e a violência, tornando isso tudo muito comum. Agora, que leve as pessoas a se tornarem violentas não sei, isso já não poderia nem dizer, que seria mera suposição da minha parte.
Em relação aos adolescentes em conflito com a lei, mas também levando em consideração os detentos comuns, é possível apontar que, se o indivíduo sofre algum tipo de violência quando criança, ele tem maiores chances de cometer algum tipo de infração posteriormente?
AAS – Não é que se trata de um determinismo, mas você mesma usou a expressão maior chance. É claro que uma pessoa, uma criança, que sofreu violência durante a sua infância, sofreu violência física por parte dos pais ou, até mesmo, violência sexual, uma criança sofrida, fustigada, castigada, punida, a gente não vai dizer que o futuro dela pode ser o mesmo da outra que recebeu todo o tratamento, toda a atenção afetiva, amor, acolhimento. Não, não dá pra dizer isso. Essa criança que sofreu violências físicas, sexuais, verbais, morais, psíquicas, psicológicas, enfim, que não recebeu apoio, essa criança, é evidente, que corre um risco muito maior de se desajustar na vida. Isso não quer dizer que vá cometer crimes.
Entre esses desajustes, em meio desse desajuste social todo, desse desequilíbrio emocional todo, ela está fragilizada, vulnerabilizada diante dos revezes da vida e diante das exigências e pressões que a sociedade vai fazer para ela. Então, em função dessas exigências, pressões, reclamos, demandas e com tudo o que a sociedade lhe oferece, o comércio, mercado, consumo, e ela muito vulnerabilizada por todo esse passado, com uma agressividade e violência que foram internalizadas, evidente que ela está muito vulnerável e frágil para enfrentar tudo isso. E uma das respostas possíveis poderá ser a resposta delinquente. Portanto, não há uma predeterminação, mas há uma condição facilitadora.
Qual é a importância dos instrumentos como o exame de personalidade, criminológico e da avaliação da Comissão Técnica de Classificação durante a execução da pena? As autoridades estão preparadas para aplicar adequadamente esses instrumentos em meio ao “caos penitenciário”?
AAS – Acho que o exame criminológico seria recomendável naquele exame inicial, o exame de observação, que é previsto no art. 8º da Lei de Execuções Penais e no art. 34 do Código Penal. Ele é feito no início da execução da pena para o conhecimento do indivíduo, que não tem uma finalidade prognóstica, que deva ter unicamente uma finalidade diagnóstica.
O exame de personalidade é previsto no art. 34 da Exposição de Motivos, distinguindo-se do criminológico. Portanto, o exame de personalidade seria o exame da pessoa do preso, o que acho muito interessante, porque a Lei de Execuções Penais refere-se a um exame de personalidade no art. 9º. É um exame da pessoa do preso. Então, se nós tivéssemos um exame criminológico inicial e um exame de personalidade inicial, ou apenas um exame de personalidade inicial grande e abrangente, nós teríamos dados muitos ricos para nos ajudarem na individualização da execução da pena deste indivíduo.
Agora, com relação à concessão de benefícios, se há alguma avaliação técnica a ser feita, entendo que a melhor seria a da Comissão Técnica de Classificação, que não é um exame criminológico, isto é, que não pretende aferir os porquês do crime, as condições psíquicas e sociais do indivíduo que o teriam levado a praticar o crime, e, muito menos, o prognóstico da reincidência. A avaliação da Comissão Técnica de Classificação se debruça única e exclusivamente sobre o histórico prisional. É uma avaliação de conduta. Seria uma avaliação técnica, interdisciplinar complexa da conduta dentro do histórico do preso. E acho que seria recomendável, principalmente, para esses casos mais graves. E neles, vejo que também seria recomendável o exame criminológico.
Em suma, como rotina, o parecer da Comissão Técnica de Classificação, uma comissão interdisciplinar, que vai informar o juiz e o MP sobre como está indo esse preso no cumprimento de sua pena. Já o exame criminológico seria uma perícia mais aprofundada em termos de personalidade, de psiquismo, de histórico social, familiar, para aqueles casos realmente mais graves. Como esse que aconteceu da Suzane von Richthofen, ou o maníaco do Parque, ou esse que aconteceu em Goiás, por exemplo, em que o delinquente já havia matado 7 crianças, é nesses casos em que há necessidade de realizar um exame acurado, quando há pedido de liberdade ou de progressão de regime.
E em relação à forma como as autoridades estão preparadas, não sei, porque as autoridades sabem falar mais em exame criminológico. Os juizes e promotores não têm lá muita noção, e nem sei se deveriam ter, da diferença do exame criminológico e do parecer da Comissão Técnica de Classificação. Quer dizer, mais os técnicos que deveriam mostrar essa diferença e oferecer peças técnicas diferentes. Agora tem um velho entrave: para a Comissão Técnica fazer um parecer ela tem que desenvolver seu trabalho de individualização na execução, quer dizer, ela tem que desenvolver programas para avaliar depois a resposta que o preso está dando a esses programas. Por conseguinte, há um problema sério, porque ela não tem feito, não tem tido tempo de fazer, não tem havido técnicos suficientes para fazer, porque o Estado também não valoriza esse tipo de coisa.
Sobre a Justiça Restaurativa, o senhor acredita que seus mecanismos de composição entre o ofendido e seu agressor podem ser uma via interessante para diminuir a superlotação carcerária ou seus princípios devem ser aplicados de modo restritivo?
AAS – Não tenho experiência com Justiça Restaurativa. Li, gosto da Justiça Restaurativa, os autores que a propõem têm tido experiência. Os autores aqui no Brasil, como todos sabem, são Leonardo Sica e Pedro Scuro. Parece que as experiências têm sido bastante positivas. Eu não tenho trabalhado, mas já vi preso interessado em passar por essa experiência, em fazer esse tipo de intercâmbio com a vítima. E acredito que a Justiça Restaurativa é uma saída melhor que a pena privativa de liberdade e que outras formas de punição.
Acho que a Justiça Restaurativa pode ser uma oportunidade de crescimento para o agressor e para a vítima, principalmente se se tratar de restaurar relações e não só de restaurar os danos e perdas de quem ofendeu ou roubou. Não se trata de um mero ressarcimento, já que não se pode continuar como dantes. Acho que não deveria parar por aí. É uma restauração e um restabelecimento de relações, uma busca de entendimento das pessoas, o agressor entender os desdobramentos da sua conduta junto à vítima, desdobramentos esses que ele não tem consciência.
É como um professor quando reprova: dá uma nota ao aluno pela qual o aluno fica reprovado. O professor às vezes não tem consciência de todas as consequências que aquela reprovação vai trazer para o aluno. Não é por isso que ele não deva reprovar, não estou dizendo isso, mas às vezes o professor dá uma nota e não pensa muito nas consequências de seus atos. E é professor universitário. Quem sabe, se um dia ele for conversar com o aluno reprovado, ele irá ver o que aquilo acarretou para o aluno. Será que não seria o caso de ele relevar aquele ponto, em função de toda a perda que o aluno sofreu? Estou fazendo uma analogia, assim como o professor, digo até por experiência, na época em que eu era muito durão como professor, não adiantava o aluno pedir 0,25, 0,5... Reprovou, reprovou e pronto. Assim como o professor não tem consciência dos desdobramentos de sua decisão, muito menos a tem o agressor dos desdobramentos que seu ato teve na vítima.
Qual será o futuro da realidade prisional brasileira? Quais são os problemas e as saídas que devemos buscar?
AAS – Difícil, hein? Acho que o caminho parece passar por aí, pelo Direito Penal Mínimo. Dizer que vai se extinguir a prisão, não acredito, mas certamente aparecerão outras alternativas, como a Justiça Restaurativa, o Direito Penal Mínimo, a descriminalização de muitas condutas, como o tráfico, a descoberta de entorpecente. É possível que, daqui há 100, 150 anos, isso não exista mais. Então se você descriminalizar só o comércio de entorpecentes, terá uma redução de 30 a 40% das nossas taxas de encarceramento, e, consequentemente, vai ter a redução do crime organizado, redução muito grande dos homicídios, por conta disso também existirá uma redução da nossa taxa de encarceramento. Em decorrência disso, teremos uma redução de muitos assaltos e furtos que são feitos para sustentar o tráfico, e nova redução das taxas de encarceramento.
Acredito que nosso caminho seja: Direito Penal Mínimo, descriminalização de condutas e aumento das penas alternativas de prestação de serviços, que deixariam de ser alternativas, e, quem sabe, a pena de prisão passe a ser alternativa, e realmente haverá a minimalização do Direito Penal!
O entrevistado do Bate-Bola dessa edição da Revista Liberdades possui graduação, mestrado e doutorado em psicologia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, além de ser professor de Comportamento Humano Forense I, Criminologia I e Psicologia Forense na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), a tradicional Academia do Largo São Francisco, sendo muito querido por seus alunos. Alvino Augusto de Sá também é colaborador do IBCCRIM e autor de obras como Criminologia Clínica e Psicologia Criminal (Editora Revista dos Tribunais), Reincidência criminal sob o enfoque da Psicologia Clínica Preventiva (Editora Pedagógica e Universitária) e organizador de Criminologia e os Problemas da Atualidade (Editora Atlas).
A entrevista foi realizada pessoalmente por Camila Garcia da Silva, aluna da Faculdade de Direito do Largo São Francisco e estagiária do IBCCRIM, no próprio Instituto.
Professor, como o senhor se interessou por criminologia? E por que, como psicólogo, passou a atuar na área do Direito?
ALVINO AUGUSTO DE SÁ – Antes de me formar psicólogo pela PUC, tive a oportunidade de fazer um estágio na Penitenciária do Estado por 9 meses, e meu interesse já nasceu por essa questão criminal, prisional, penitenciária, criminológica e pelo diagnóstico criminológico.
Antes de formado também, quando era bacharel, prestei concurso na reitoria da USP e passei a trabalhar como assistente técnico de seleção. Assim surgiu meu interesse pela seleção organizacional, que tive a oportunidade de experimentar lá.
Depois fui para o Bradesco, no centro educacional, em que tive também uma experiência na área escolar e, novamente, na área de seleção. Eu trabalhei um bom tempo na área de seleção do Bradesco, centralizando-a, em São Paulo, na agência Nova Central.
Depois, comecei no magistério superior na Universidade de Guarulhos. Ministrava, inicialmente, psicologia social e, depois, psicologia do desenvolvimento. Em seguida, passei para técnicas de exame psicológico, em que me estabilizei, e, unindo as técnicas de exame psicológico e exame criminológico, foi por onde eu me enveredei, uma vez que, em 1972, comecei a trabalhar na Penitenciária como psicólogo. Comecei a sintetizar, a unir essas duas coisas: técnicas de exame psicológico no magistério superior e o diagnóstico criminológico na Penitenciária do Estado. A partir daí as minhas atividades se centralizaram quase que exclusivamente sobre esses temas.
O senhor sempre desejou tornar-se professor? E como tem sido sua experiência em lecionar para os estudantes de Direito?
AAS – Eu não pensava nisso antes de me formar. Foi um convite que me foi feito. Comecei e gostei da experiência, mas não pensava nisso. Comecei no magistério em psicologia social, uma disciplina que não era bem a minha área de atuação, já que gosto de lecionar aquilo em que trabalho. Posteriormente, passei a lecionar sobre técnicas de exame psicológico, que foi no que me desenvolvi mesmo, pois os alunos gostavam muito mais. Enfim, foi nisto que dominei a coisa e conquistei um espaço bastante significativo na Universidade.
Após essa experiência, comecei a dar aulas de criminologia na Faculdade de Direito da USP, onde passei realmente a lecionar aquilo que é o meu exercício profissional, qual seja, o diagnóstico de tratamento penitenciário e a criminologia clínica. Matérias em que me encontrei ainda mais, até mesmo mais que na própria Psicologia.
Porque eu gosto muito de lecionar na área do Direito e de fazer palestras nessa área. Parece um pessoal mais interessado, eles vibram mais com essa questão penitenciária do que se eu projecionar em uma turma de Psicologia. Por exemplo, em uma turma de Psicologia de 80 alunos, se você for pesquisar e observar quem tem interesse na área de criminologia e psicologia jurídica, encontrar 4 alunos já é muito. O restante não tem interesse, ao passo que, se eu for lecionar para uma classe de direito, diria que 80 a 100% têm interesse nessa área, mesmo não que vá trabalhar com isso. Além disso, agora que a criminologia tornou-se uma matéria optativa, espera-se que realmente quem escolha já tenha interesse na área penal. Então, eu gosto muito de lecionar no Direito, pois eu me encontro e me identifico.
Professor, o senhor pode nos explicar, em linhas gerais, no que consistem os projetos GETCRIM e GEDUCC? Em relação ao último, quais são os benefícios atingidos quando se dá a aproximação entre os estudantes e os encarcerados?
AAS – O GETCRIM, Grupo de Estudos sobre Temas de Criminologia, é um grupo teórico que foi criado, primeiro, com a finalidade de estudar, discutir e debater textos, que se abre para todo o leque da criminologia. Diante do histórico do GETCRIM, ele se abre mais sobre os estudos da criminologia sociológica e crítica, pois os alunos têm muito interesse em estudar as Teorias Críticas.
Já o GEDUCC é um grupo de inserção na prática. Tem uma palavra que não gosto muito de usar, pois pode ser mal interpretada, mas seria um grupo de intervenção. É que esse termo dá a impressão de coisa policialesca ou do governo federal que vai intervir. Mas o GEDUCC é um grupo de atuação que vai ao cárcere e procura construir um diálogo entre ele e a academia, entre um subgrupo de acadêmicos e um subgrupo de presos.
Quanto a benefícios, temos objetivos de que, da parte dos presos, eles vejam, sintam e que reascenda neles aquela experiência de que eles têm valor, porque estão conversando de igual para igual com universitários. Portanto, em primeiro lugar, temos essa valorização. Em segundo lugar, é uma oportunidade de debater, de fato, os seus pontos de vista com outros pontos de vista, ou seja, o ponto de vista dos detentos e dos acadêmicos, dentro de suas respectivas experiências e histórico.
E, na parte dos acadêmicos, há um crescimento, uma vez que eles descobrem uma outra realidade, que não imaginavam, ao lado dos encarcerados enquanto pessoas. E descobrem, em si mesmos, seu lado delinquente e crescem muito com isso. Não no sentido de aprender mais com a criminologia, porque assim, os presos seriam, simplesmente, objetos de estudo. Não é isso que a gente quer. Eles aprendem porque crescem com a própria discussão e ao ouvir os presos e suas opiniões. Assim, descobrem que esses criminosos têm uma história humana por trás daquilo, na qual se enraíza e tem sentido e, por consequência, passa a ter sentido toda a visão que eles têm da vida, da ética e dos valores. Enfim, o que para nós é muito válido em função da nossa história de vida, para eles também é. Da mesma forma, a visão deles é muito válida em função de sua história de vida.
O senhor acha adequado o uso de expressões como “reinserção social” ou “ressocialização do preso” ou, na prática, temos, na maioria das vezes, um indivíduo que já estava marginalizado?
AAS – O problema não é o “re” que tanto se fala, porque quando falamos ressocialização, reintegração, há uma diferença fundamental de conceito. E essa diferença não está no “re”. Mas se você quiser falar de socialização, não use ressocialização, ou se quiser falar de integração social, não fale de reintegração social. Então o “re” é o que menos interessa, e para mim isso já está superado. Há 20, 30 anos atrás, já ouvia falar dessa história. A questão é o próprio conceito, porque quando se fala de ressocialização ou de socialização, a gente está pensando em estratégias para o preso assimilar e aprender a ética social e se conscientizar dos valores sociais, permitindo, assim, que ele tenha condições de se reinserir socialmente.
Quando se fala em integração ou reintegração, não tem essa história de assimilar a ética social ou os valores sociais, porque tudo isso eles já sabem. E nisso eles não acreditam. Os presos não acreditam por uma série de precedentes em sua história de vida e por uma série de precedentes na própria história da sociedade. Por que eles vão acreditar em valores que não lhe trazem benefício algum, valores de um grupo ao qual eles não pertencem, que não quer aceitá-los e para o qual eles se sentem despreparados para voltar? Por que eles vão aceitar valores que não são respeitados por esse próprio grupo a partir de seus líderes, que vêm de Brasília e que se dizem legisladores, governantes e executivos... Então isso caiu totalmente em descrédito perante os presos.
Ao falarmos de integração, reintegração, devemos ter em mente essa oportunidade de diálogo que, pelo menos, faz com que eles enxerguem uma luz no fim do túnel, no sentido de eles terem direito, terem condições, terem capacidade e de pertencerem a esse grupo, sem exigências. O GEDUCC é uma experiência pequena, que eles tem durante 2 ou 3 meses, mas é significante para muitos, no sentido de eles experienciarem essa pertença, essa convivência em grupo. De repente, eles descobrem que isso é possível.
Então, quando eles se valorizam e têm uma experiência de pertencimento, de que é possível a integração a esse grupo, eles se sentem mais seguros, fortes e exigentes, de cabeça erguida quando voltarem para tal grupo. Ao entrar nesse grupo, passando a ter valor para seus membros, então, as normas desse grupo passam a ter valor para os ex-detentos também.
Ao contrário do que se pensa, não é que se espera primeiro a socialização, quer dizer, o aprendizado da ética e dos valores, para, depois, a integração e a reinserção. Primeiro, uma experiência de integração, de pertença, de valorização de si mesmo. Portanto, uma experiência de capacidade de reinserção, de integração com o grande grupo social. Dessa forma, eles se sentem motivados, não capacitados, a aderir a esses valores ou, pelo menos, a ter uma consciência desses valores e decidirem, conscientemente, o que eles querem de suas vidas.
E, ainda, qual seria a aplicabilidade dessa tese, vez que um dos métodos mais importantes para a “ressocialização” de um indivíduo seria a inserção no mercado do trabalho, conforme observamos, atualmente, em projetos como o “Começar de novo” do CNJ? No entanto, apesar do grande problema do desemprego em nossa sociedade, não é paradoxal que o próprio Estado exija que, para a ocupação de determinados cargos públicos, se apresente uma declaração de bons antecedentes criminais?
AAS – É uma hipocrisia perfeita, não é? Porque, para o sujeito ocupar, ou até mesmo estagiar, um cargo do Estado, seja ele uma ocupação simples, de início de carreira, como a de assistente administrativo etc., exige-se que ele tenha uma vida pregressa limpa. Se ele tiver algum antecedente, há cinco anos atrás, às vezes, só o fato de ele estar sendo processado, já não pode assumir esse cargo de assistente administrativo.
No entanto ele pode assumir o cargo de deputado federal, senador, governador e presidente. Portanto, é uma hipocrisia perfeita desse governo, desse Estado, desse país e dessa sociedade. Eu não tenho como responder, senão reforçar o paradoxo que você está apontando, e isso tudo passa para os presos e disso tudo eles têm consciência e sabem que essas coisas acontecem. Esse mesmo Estado que luta pela sua inserção, propõe as empresas “vamos começar de novo” e cria programas de estímulo para eles encontrarem seu lugar, ele próprio, não os aceita. Não sei o que responder a você a não ser que isso é uma grande hipocrisia, e mais, esse mesmo Estado que não aceita, aceita pessoas com ficha suja, que têm não sei quantos processos em andamento, verdadeiros ladrões, assaltantes do povo.
No que tange a violência juvenil, podemos entender que a banalização da violência exposta nos meios de comunicação, amplamente exibida em cenas de filmes e jogos, levaria o adolescente a praticar algum tipo de delito? E quais as medidas possíveis para evitar esse tipo de contato, tendo em vista as propostas de fiscalização e censura?
AAS – Parece-me que já foi feita alguma pesquisa no Brasil. Não saberia lhe citar agora. Apenas sei que foi feita uma pesquisa sobre a força que esses filmes tem de estimular a violência e me parece que o resultado foi negativo, quer dizer, que eles não tem a força de estimular e de provocar a violência. Agora uma coisa é certa: se não provoca a violência, também não estimula a paz. Se a gente for dizer alguma coisa nesse sentido, lá vem aquela velha medida nesse país: “vamos censurar”. Parece que é a única coisa que se sabe aqui e que se pensa nesses casos: censura e punição. Será que não existe alguma outra saída no lugar de censura e punição? Que tal a educação? A mídia tem a disposição uma série de programas, não são somente os violentos. Existem outros canais interessantes, mas também existem canais que são especializados em porcaria, em besteira, em Big Brother, e nessas coisas que não educam em nada e não servem para absolutamente nada... Acho que a mídia, nesse sentido, banaliza a violência, o sexo, e coloca tudo a disposição. E, depois, essa própria mídia reclama da violência, dos crimes sexuais. Não sei se censura resolve, porque sou contra, em princípio, à lei resolver as coisas.
Não acredito que seja possível resolver as coisas por leis, por censuras e punições, e sim pela educação. Esqueçamos os Big Brothers, o ideal seria que as pessoas fossem educadas para selecionar os seus programas. Há outros programas que são educativos em outros canais, mas o problema não está na censura, não está na punição, mas estaria na educação. Agora, que estes filmes, que estes programas não trazem muita coisa de proveito, não trazem. Segundo, banalizam o sexo e a violência, tornando isso tudo muito comum. Agora, que leve as pessoas a se tornarem violentas não sei, isso já não poderia nem dizer, que seria mera suposição da minha parte.
Em relação aos adolescentes em conflito com a lei, mas também levando em consideração os detentos comuns, é possível apontar que, se o indivíduo sofre algum tipo de violência quando criança, ele tem maiores chances de cometer algum tipo de infração posteriormente?
AAS – Não é que se trata de um determinismo, mas você mesma usou a expressão maior chance. É claro que uma pessoa, uma criança, que sofreu violência durante a sua infância, sofreu violência física por parte dos pais ou, até mesmo, violência sexual, uma criança sofrida, fustigada, castigada, punida, a gente não vai dizer que o futuro dela pode ser o mesmo da outra que recebeu todo o tratamento, toda a atenção afetiva, amor, acolhimento. Não, não dá pra dizer isso. Essa criança que sofreu violências físicas, sexuais, verbais, morais, psíquicas, psicológicas, enfim, que não recebeu apoio, essa criança, é evidente, que corre um risco muito maior de se desajustar na vida. Isso não quer dizer que vá cometer crimes.
Entre esses desajustes, em meio desse desajuste social todo, desse desequilíbrio emocional todo, ela está fragilizada, vulnerabilizada diante dos revezes da vida e diante das exigências e pressões que a sociedade vai fazer para ela. Então, em função dessas exigências, pressões, reclamos, demandas e com tudo o que a sociedade lhe oferece, o comércio, mercado, consumo, e ela muito vulnerabilizada por todo esse passado, com uma agressividade e violência que foram internalizadas, evidente que ela está muito vulnerável e frágil para enfrentar tudo isso. E uma das respostas possíveis poderá ser a resposta delinquente. Portanto, não há uma predeterminação, mas há uma condição facilitadora.
Qual é a importância dos instrumentos como o exame de personalidade, criminológico e da avaliação da Comissão Técnica de Classificação durante a execução da pena? As autoridades estão preparadas para aplicar adequadamente esses instrumentos em meio ao “caos penitenciário”?
AAS – Acho que o exame criminológico seria recomendável naquele exame inicial, o exame de observação, que é previsto no art. 8º da Lei de Execuções Penais e no art. 34 do Código Penal. Ele é feito no início da execução da pena para o conhecimento do indivíduo, que não tem uma finalidade prognóstica, que deva ter unicamente uma finalidade diagnóstica.
O exame de personalidade é previsto no art. 34 da Exposição de Motivos, distinguindo-se do criminológico. Portanto, o exame de personalidade seria o exame da pessoa do preso, o que acho muito interessante, porque a Lei de Execuções Penais refere-se a um exame de personalidade no art. 9º. É um exame da pessoa do preso. Então, se nós tivéssemos um exame criminológico inicial e um exame de personalidade inicial, ou apenas um exame de personalidade inicial grande e abrangente, nós teríamos dados muitos ricos para nos ajudarem na individualização da execução da pena deste indivíduo.
Agora, com relação à concessão de benefícios, se há alguma avaliação técnica a ser feita, entendo que a melhor seria a da Comissão Técnica de Classificação, que não é um exame criminológico, isto é, que não pretende aferir os porquês do crime, as condições psíquicas e sociais do indivíduo que o teriam levado a praticar o crime, e, muito menos, o prognóstico da reincidência. A avaliação da Comissão Técnica de Classificação se debruça única e exclusivamente sobre o histórico prisional. É uma avaliação de conduta. Seria uma avaliação técnica, interdisciplinar complexa da conduta dentro do histórico do preso. E acho que seria recomendável, principalmente, para esses casos mais graves. E neles, vejo que também seria recomendável o exame criminológico.
Em suma, como rotina, o parecer da Comissão Técnica de Classificação, uma comissão interdisciplinar, que vai informar o juiz e o MP sobre como está indo esse preso no cumprimento de sua pena. Já o exame criminológico seria uma perícia mais aprofundada em termos de personalidade, de psiquismo, de histórico social, familiar, para aqueles casos realmente mais graves. Como esse que aconteceu da Suzane von Richthofen, ou o maníaco do Parque, ou esse que aconteceu em Goiás, por exemplo, em que o delinquente já havia matado 7 crianças, é nesses casos em que há necessidade de realizar um exame acurado, quando há pedido de liberdade ou de progressão de regime.
E em relação à forma como as autoridades estão preparadas, não sei, porque as autoridades sabem falar mais em exame criminológico. Os juizes e promotores não têm lá muita noção, e nem sei se deveriam ter, da diferença do exame criminológico e do parecer da Comissão Técnica de Classificação. Quer dizer, mais os técnicos que deveriam mostrar essa diferença e oferecer peças técnicas diferentes. Agora tem um velho entrave: para a Comissão Técnica fazer um parecer ela tem que desenvolver seu trabalho de individualização na execução, quer dizer, ela tem que desenvolver programas para avaliar depois a resposta que o preso está dando a esses programas. Por conseguinte, há um problema sério, porque ela não tem feito, não tem tido tempo de fazer, não tem havido técnicos suficientes para fazer, porque o Estado também não valoriza esse tipo de coisa.
Sobre a Justiça Restaurativa, o senhor acredita que seus mecanismos de composição entre o ofendido e seu agressor podem ser uma via interessante para diminuir a superlotação carcerária ou seus princípios devem ser aplicados de modo restritivo?
AAS – Não tenho experiência com Justiça Restaurativa. Li, gosto da Justiça Restaurativa, os autores que a propõem têm tido experiência. Os autores aqui no Brasil, como todos sabem, são Leonardo Sica e Pedro Scuro. Parece que as experiências têm sido bastante positivas. Eu não tenho trabalhado, mas já vi preso interessado em passar por essa experiência, em fazer esse tipo de intercâmbio com a vítima. E acredito que a Justiça Restaurativa é uma saída melhor que a pena privativa de liberdade e que outras formas de punição.
Acho que a Justiça Restaurativa pode ser uma oportunidade de crescimento para o agressor e para a vítima, principalmente se se tratar de restaurar relações e não só de restaurar os danos e perdas de quem ofendeu ou roubou. Não se trata de um mero ressarcimento, já que não se pode continuar como dantes. Acho que não deveria parar por aí. É uma restauração e um restabelecimento de relações, uma busca de entendimento das pessoas, o agressor entender os desdobramentos da sua conduta junto à vítima, desdobramentos esses que ele não tem consciência.
É como um professor quando reprova: dá uma nota ao aluno pela qual o aluno fica reprovado. O professor às vezes não tem consciência de todas as consequências que aquela reprovação vai trazer para o aluno. Não é por isso que ele não deva reprovar, não estou dizendo isso, mas às vezes o professor dá uma nota e não pensa muito nas consequências de seus atos. E é professor universitário. Quem sabe, se um dia ele for conversar com o aluno reprovado, ele irá ver o que aquilo acarretou para o aluno. Será que não seria o caso de ele relevar aquele ponto, em função de toda a perda que o aluno sofreu? Estou fazendo uma analogia, assim como o professor, digo até por experiência, na época em que eu era muito durão como professor, não adiantava o aluno pedir 0,25, 0,5... Reprovou, reprovou e pronto. Assim como o professor não tem consciência dos desdobramentos de sua decisão, muito menos a tem o agressor dos desdobramentos que seu ato teve na vítima.
Qual será o futuro da realidade prisional brasileira? Quais são os problemas e as saídas que devemos buscar?
AAS – Difícil, hein? Acho que o caminho parece passar por aí, pelo Direito Penal Mínimo. Dizer que vai se extinguir a prisão, não acredito, mas certamente aparecerão outras alternativas, como a Justiça Restaurativa, o Direito Penal Mínimo, a descriminalização de muitas condutas, como o tráfico, a descoberta de entorpecente. É possível que, daqui há 100, 150 anos, isso não exista mais. Então se você descriminalizar só o comércio de entorpecentes, terá uma redução de 30 a 40% das nossas taxas de encarceramento, e, consequentemente, vai ter a redução do crime organizado, redução muito grande dos homicídios, por conta disso também existirá uma redução da nossa taxa de encarceramento. Em decorrência disso, teremos uma redução de muitos assaltos e furtos que são feitos para sustentar o tráfico, e nova redução das taxas de encarceramento.
Acredito que nosso caminho seja: Direito Penal Mínimo, descriminalização de condutas e aumento das penas alternativas de prestação de serviços, que deixariam de ser alternativas, e, quem sabe, a pena de prisão passe a ser alternativa, e realmente haverá a minimalização do Direito Penal!
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