por José Ricardo Chagas
O exame criminológico, parecer técnico-científico, é uma garantia do Estado-Juiz brasileiro ante a concessão de alguns benefícios ao condenado, como é o caso da progressão de regime.
Ocorre que, desde o ano de 2003, com o advento da novatio legis que alterou a Lei nº 7.210/84 - Lei de Execução Penal pátria, fora revogado o artigo 112, onde dispunha a obrigatoriedade do exame criminológico.
Eis o artigo revogado.
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva, com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo Juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos 1/6 (um sexto) da pena no regime anterior e seu mérito indicar a progressão.
Parágrafo único. A decisão será motivada e precedida de parecer da Comissão Técnica de Classificação e do exame criminológico, quando necessário.
O legislador pátrio, de forma patente, desconsiderou todo o arcabouço técnico-científico da analise clínica do condenado quando retirou do ordenamento jurídico penal importantíssimo, ao nosso entendimento, data vênia controverso posicionamento doutrinário, instituto processual penal. Eis flagrante retrocesso preventivo penal.
Necessário abordar que, em verdade, o Estado-Juiz que pune, encarcera e impõe limites ao condenado, não o acompanha em sua estadia forçosa, o que ajuda a enfatizar o depósito humano. Não destarte, não haveria de ser justo o Estado avaliá-lo para a progressão. Data vênia, não podemos justificar um erro executivo com um legislativo.
A fundamentação descabida e aberrante para a revogação de tão importante instituto processual-penal é que o exame criminológico teria auto custo aos cofres estaduais e mais, causa atravancamento nos processos de liberação do encarcerado, permanecendo este por mais tempo às expensas dos estados federados.
O STJ, numa tentativa de socorro emergencial, vem de certa forma legislando em decorrência de decisões onde restabelece a necessidade do exame criminológico ao arrepio da lei ora revogada. O excelso tribunal, de forma patentemente inconstitucional, pois de encontro com o fundamento do princípio da legalidade, traz de plano o preceito ora revogado como se repristinado estivesse. Segundo a doutrina argentina, eis caracterizado o judge-made Law.
Na legislação argentina, no que diz respeito ao exame criminológico, não encontramos nenhum dispositivo legal que se relacionasse com nosso instituto processual-penal, seja em seu código penal ou mesmo em seus muitos códigos processuais penais provinciais e da cidade autônoma de Buenos Aires.
Destarte, alguns procedimentos alienígenas dos nossos irmãos argentinos, em especial o processo penal da cidade autônoma, se aproximam da nossa legislação processual. Assim, voltando-se ao processo de execução penal argentino, Lei 24.660 de 96 - Ejecucion de la pena privativa de la libertad1, eis que temos:
ARTICULO 1 º
La ejecución de la pena privativa de libertad, en todas sus por Modalidades, tiene finalidad lograr que el condenado adquiera la capacidad de comprender y respetar la ley procurando su adecuada reinserción social.
ARTICULO 12.
El régimen penitenciario aplicable al condenado, cualquiera fuere la pena impuesta, se caracterizará por su progresividad y constará de:
a) Período de observación;
b) Período de tratamiento;
c) Período de prueba;
d) Período de libertad condicional.
ARTICULO 17.
Para la concesión de las salidas Transitórias o la incorporación al régimen de la semilibertad se requiere:
IV. Merecer, del organismo técnico-y criminológico del Consejo del establecimiento correccional.
ARTICULO 102.
La calificación y conducta será efectuada trimestralmente, notificada al interno de conformidad con la siguiente escala:
a) ejemplar;
b) Muy buena;
c) Buena;
d) Regular;
e) Mala;
f) Pésima.
ARTICULO 104.
La calificación de concepto servirá de base para la aplicación de la progresividad del régimen, el otorgamiento de salidas transitórias, semilibertad, libertad asistida, libertad condicional, conmutación de pena e indulto.
O artigo primeiro da lei de execuções penais em tela, se aproxima do quanto disposto no diploma legal brasileiro, doravante não poder emitir juizo de valor daquele diploma legal, com o devido respeito, posso, triste, afirmar que o correlato brasileiro ainda é uma falácia jurídico-social.
Podemos concluir, de forma não terminativa, com a cautela que nos é peculiar, que o instituto argentino do periodo de observação se correlaciona com o exame criminológico brasileiro, o qual na maioria das vezes não se pratica, restando apenas prescrito em lei.
A legislação alienígena prescreve que durante o periodo de observação o orgão técnico-criminológico deverá realizar estudo médico, psicologico e social do condenado, formulando um diagnóstico criminológico e um prognóstico.
No Brasil, de acordo a lei de execuções penais, Lei nº 72102 de 1984, eis que:
Art. 5º Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal.
Art. 6o A classificação será feita por Comissão Técnica de Classificação que elaborará o programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou preso provisório.
Trancrevemos palavras do festejado Jorge Haddad em seu trabalho Derecho Penitenciário:
El llamado "régimen progresista" es dar a los prisioneros una transición gradual a la libertad, em diferentes momentos a través del cual las medidas restrictivas que se están reduciendo, a fin de volver a la libertad.3
Ainda, na lei de execuções penais argentina:
Para la concesión de las salidas transitorias o la incorporación al régimen de la semilibertad se requiere:
I. No tener causa abierta donde interese su detención u otra
condena pendiente;
II. Estar comprendido en alguno de los siguientes tiempos mínimos de ejecución:
a) Pena temporal sin la accesoría del artículo 52 del Código Penal: Um tercio de la condena;
b) Pena perpetua sin la accesoría del artículo 52 del Código Penal: doce (12) años;
c) accesoría del artículo 52 del Código Penal: cumplida la pena.
III. Tener en el último trimestre conducta Muy buena Ocho (8) y concepto muy bueno siete (7), como mínimo.
IV. Dictamen favorable del Consejo Correccional y resolución aprobatoria del Director del establecimiento.”
Código Penal da Argentina
ARTICULO 52.- Se impondrá reclusión por tiempo indeterminado como accesoria de la última condena, cuando la reincidencia fuere múltiple en forma tal que mediaren las siguientes penas anteriores:
1. Cuatro penas privativas de libertad, siendo una de ellas mayor de tres años;
2. Cinco penas privativas de libertad, de tres años o menores.
Quanto ao exame criminológico em si, o respeitável Celso Delmanto4 o combate quando assevera que, de fato, o direito penal é uma lei de culpabilidade e não uma norma de perigo.
Ainda, segundo o festejado professor argentino Zaffaroni,
hay que reconocer que la disposición del nuevo delito la práctica, o la presunción de que los reclusos no volverá a la delincuencia es una falacia. Examen criminológico no puede prever este.5
Em conclusão, diante do esposado, o exame criminológico, instituto brasileiro de controle processual penal para a concessão de progressão de regime do condenado não encontra correlação na legislação argentina, bem como, o ato em tese, repristinatório do Tribunal brasileiro, resta inconstitucional perante conceito principiológico da Carta Magna brasileira.
Fonte: Revista Jus Vigilantibus, Domingo, 28 de fevereiro de 2010
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