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quarta-feira, 6 de junho de 2012

Ciência policial: é possível?



CIÊNCIA POLICIAL OU DE SEGURANÇA PÚBLICA? 

Para o cientista assim como para os policiais, a investigação empírica não é suficiente para elucidar e confirmar os fatos que se investiga. As deduções e análise, a crítica do que se tem conhecimento, as relações entre as provas e os eventos contidos no caso concreto deverão ser capazes de demonstrar, após a verificação de suas características fundamentais, quais as ações permitiram o evento, por conseguinte, qual o resultado final. 

As evidências devem ser confirmadas de forma que sobrevivam as críticas de toda ação. Seria possível avaliar todos os fatos de um crime? Sim, de forma criteriosa o policial durante a investigação criminal deve verificar ou confirmar se o fato ocorreu e se é típico, apontando o autor do delito. 

A solução de um crime exige inferências lógicas e acompanhamento sistemático dos fatos originários para definir o corpo de delito ou prova. 

Seria possível afirmar a existência de uma ciência policial nos moldes do verificacionismo ou na prática o que se tem é a visão indutiva de quem conduz a investigação na análise dos fatos? A importância da análise dos métodos de prova dedutiva, onde todos os elementos poderão ser confrontados e verificados, excluindo devaneios especulativos, separando a ciência das afirmativas meramente subjetivas ou metafísicas, permite-nos uma comparação. 

A diferença básica assenta-se na possibilidade da ocorrência de "predições" no caso dos experimentos indutivos em contraponto com a ciência dedutiva. Confirmada num primeiro momento, a teoria estaria provisoriamente aceita por não haver como destituí-la de sua verdade, as declarações por exemplo, representaria num primeiro momento a verdade sobre os fatos. Contrário senso, quando o laudo pericial diz que a assinatura não partiu do punho fornecedor, no caso, o suspeito ou aquele que declarou ser o autor, significa que, em sendo negada os seus enunciados ou sua proposta, a teoria será falsa, para investigação isto significa voltar ao início, mesmo que haja confissão, esta constatação destrói a teoria proposta, ou seja, mesmo com a confissão, não seria possível atribuir ao declarante ser o autor do delito. 

O conhecimento se dá pela formulação de hipóteses na tentativa de saber, no caso da investigação criminal, quem é o autor da ação delituosa. Concluindo-se no caso pela negação da autoria após o falseamento das hipóteses, teremos, então a base empírica e não convencional de um fato. 

O falseamento nos dá a oportunidade de formular outras hipóteses com objetivo de elucidar e definir a materialidade e o autor do delito que se investiga. Preservar o conteúdo dessas teorias significa observar o que elas procuram resolver. Assim se avança na busca da verdade e não apenas de indução metafísica, portanto, o desacordo de um enunciado deduzido da teoria que se quer testar é um enunciado que relata o que acontece quando fazemos o teste. 

Não basta as fórmulas tradicionais, é preciso evoluir. As novas tecnologias deverão auxiliar na análise dos fatos, obtendo-se uma avaliação isenta, adequada e elucidativa das característica de cada indício. Isto é o que se espera, definir os tempos da ação e dos agentes. 

Para o pesquisador policial, o conhecimento de outras atividades do saber científico é fundamental para entender a forma como as pessoas pensam e agem quando se envolvem com o crime. Entender a mente criminosa requer observação da intenção e a ação do agente. O estudo metódico e analítico de todo o processo que envolve o crime permite entender as facetas de uma mente voltada para ação delituosa. 

Desde o primeiro momento em que se instala o procedimento investigativo haverá um método lógico a ser sistematicamente verificado. Os dados obtidos serão avaliados em sua essência sendo direcionados para elucidação dos fatos em investigação. E neste contexto, para ser aceita como ciência, a atividade policial precisa desenvolver uma metodologia com regras transparentes. Importante salientar que toda investigação tem por objetivo a verdade dos fatos e não somente apresentar o autor do delito. 

Para polícia atuar a sociedade cria normas de controle e determina através das formas previstas em Lei. Em primeiro plano a Constituição que autoriza a criação de normas específicas para atuação do Estado. E no caso específico, o direito penal define quais condutas serão penalizadas se houver transgressão. 

Mas até que ponto as pessoas aceitam estas normas que regulam o comportamento, principalmente quando terão como pena a reclusão. Haveria uma diferenciação na aplicação da norma ou ela é igual para todos? Neste contexto, a Polícia tem um papel preponderante na aplicação da lei em seu cotidiano, manter a ordem pública é uma delas, socorrer os acidentados, acalmar os ânimos de uma relação conjugal, intervir de forma coerente quando ao desequilíbrio social se manifesta durante uma reação adversa em determinando momento, por exemplo, a ação de vândalos quando saem de uma partida de futebol e agem em grupo promovendo o denominado arrastão. Para reprimir este tipo de ação a polícia tem algumas regras que são aplicadas normalmente pelos policias lotados no "choque". A postura rigorosa, o tipo físico, a roupa utilizada fazem parte de uma doutrina de controle de massas. Obviamente, estas ações estão sob a tutela da "defesa social", englobando ainda outros órgãos tais como unidades de pronto atendimento, pronto socorro, orientadores de trânsito, peritos, assistentes sociais. Isto é Ciência Policial ou de Segurança Pública? 

Um comportamento disseminado nas organizações policiais é a compartimentação que resguarda a informação protegendo-a, do interesse da mídia e das mentes delituosas, que procuram entender e controlar a atuação das policias. A complexidade das operações muitas vezes envolve outras instituições que participam do processo investigativo e repressivo, exigindo coordenação e controle da informação. Preservar a informação, assim como o cientista protege os dados de sua pesquisa enquanto se encontra em fase de desenvolvimento, semelhantemente a polícia também protege os dados obtidos e que servirão quando da repressão ou operação a ser desencadeada. Para o cientista, o conteúdo informativo em detrimento da alta probabilidade é o aceitável, da mesma forma, para a polícia, o que vale é o conteúdo dos fatos que significa a prova e não mera probabilidade: isto é ciência. 

VERDADE COMO FERRAMENTA DE INVESTIGAÇÃO 

A experiência humana produz ao longo do anos costumes e hábitos hodiernos capazes de modificar a ordem estabelecida. São práticas que inovam e exigem um novo olhar de como irão afetar as relações pessoais. Para entender quais tendências estão surgindo é preciso o estudo metódico das ações praticadas pelos indivíduos, definindo assim, a nova ordem. Estes atos deverão estar compilados em normas discutidas e aceitas por todos. A bem da verdade, trata-se do controle instalado pelas elites brasileiras desde a época de nossa colonização. Exemplo disto, era a vida do escravo que sofria toda sorte de crueldades contando com a omissão dos agentes públicos à época. Para conter os desvios, criou-se um instrumento de averiguação denominado Inquérito Policial. Este instrumento tinha e tem por objetivo definir a materialidade e autoria dos delitos praticados em detrimento da comunidade. Ele busca a verdade real. 

Por conseguinte, o ato ou poder de controlar vem desde a proibição da mulher, votar, fumar, dirigir, trabalhar etc., dentre outras. É preciso desmistificar as teorias sob as verdades de que todos são iguais perante a lei. Por exemplo, as elites quando ameaçadas, organizadas política e financeiramente que são, pressionam o governo a adotar medidas contra o avanço da violência em face de sua parcimônia em investir na educação e saúde dos carentes de tudo. Surgem propostas de reforma das leis vigentes e concomitantemente espera uma resposta imediata de repressão aos desviantes. Ora, seria simplório atribuir aos "pobres" a responsabilidade do aumento da violência e/ou da criminalidade como um todo. O fator fome não pode ser elemento de avaliação de violência e sim, como ausência endêmica do Estado em desrespeitar os Direitos Fundamentais. 

Qual a questão da influência dos bolsões de violência quando a tendência ao individualismo e consumismo é uma realidade no que se refere ao comportamento humano diante da fome e da miséria. São verdades inconteste de uma sociedade, cuja consciência moral ainda engatinha em sua evolução. O controle preventivo e repressivo seria paradoxal se à vontade das classes dominantes prevalecessem sobre as demais. 

Neste contexto a busca da verdade é primordial para o avanço das relações sociais e consequentemente a garantia da igualdade, diminuindo as desigualdades entre as classes, independente do status social, tem no instrumento investigativo, inquérito policial, a imparcialidade necessária para elucidação dos casos criminais. 

Estamos na era da "globalização", as conseqüências naturais da evolução das tecnologias e principalmente das ações criminosas proporcionam o aperfeiçoamento dos delitos, principalmente quando os lucros são fáceis e a impunidade permeiam a sociedade. 

Qual é a compreensão fundamental para ter meios concretos para se obter a verdade no interesse da elucidação dos casos criminais? Os princípios fundamentais de uma investigação exigem a realização de atos sequenciais e formais, lógicos e principalmente intrínsecos da melhor forma possível à verdade dos fatos, e sempre de acordo com as possibilidades jurídicas vigente. 

Qual o conceito de verdade? "Conformidade com o real, exatidão, realidade". Desta forma é possível afirmar que a verdade não é apenas o objetivo da investigação, mas, ela é a investigação. 

A verdade como ferramenta da investigação criminal é garantidora de um direito ou de um bem jurídico tutelado pela lei. Sendo parte da investigação ela deve preservar o direito subjetivo de posições e relações individuais, tais como: a proteção a vida, o domicílio, a religião, a criação artística, e até mesmo a resistência do agente do delito, ou seja, ser exata naquilo que apontar. No caso do Inquérito Policial, os elementos deverão preencher o tipo penal adequado, ou seja, o modelo da conduta proibida. 

Dentre as garantias que deverão ser preservadas durante a investigação é a previsão legal do crime e as causas de justificação ou excludente criminal, quando se determina o nexo causal entre a ação e o resultado. 

Os mecanismos de apuração devem ser legais, caso contrário, as provas produzidas serão refutadas. A verdade como ferramenta deverá apontar o autor do delito, definindo a sua conduta deixando claro que ele poderia ter evitado a ação ou omissão. 

A "intranqüilidade" social tem na impunidade uma das causas em que o statu quo da insegurança jurídica é perene no que concerne o mal causado por processar um inocente. Para evitar-se a ocorrência de tais fatos é que o inquérito policial é inquisitivo, a autoridade policial que o preside o conduz com absoluta discricionariedade, determinando a realização de diligências que considere úteis ou necessárias para o esclarecimento do fato criminoso e de sua autoria. 

A verdade exsurgirá expondo minuciosamente o ocorrido as circunstâncias; a qualificação do autor ou os dados pelos quais se possa identificá-lo; a classificação do crime, as testemunhas se houver. Quando a prova obtida não autorizar indiciar o autor, por não demonstrar a materialidade do fato delituoso, ou por não haver indícios de autoria, deverá evidenciar este resultado de forma transparente para que não haja dúvidas da inocência quando posteriormente o Ministério Público vier exercer o seu mister. 

A autonomia significa liberdade de julgamento para decidir a respeito dos fatos em investigação, sendo assim, a legitimidade para agir no interesse da definição da justa causa a priori é da autoridade policial diante do fato típico para fixar a responsabilidade penal. O legislador deteve-se na regulamentação desta ação quando da elaboração do Código de Processo Penal Brasileiro. Esta é uma verdade inconteste, isto é, a prova é feita de forma dialética, ou seja, existe igualdade entre defesa e acusação na busca da verdade dos fatos, uma vez que vige no direito penal o princípio da verdade real. 

A ferramenta adequada para investigação é a verdade e na busca desta é preciso apresentar um problema que nos permitirá elaborar uma hipótese que traga soluções recolhendo dados a ser comparados a realidade dos fatos, por exemplo: a integridade terá sentido numa sociedade perfeita. O desafio seria usar o mesmo padrão para investigar todos os casos, todavia, um caso nunca se repete, são individuais com características próprias, ou seja, cada caso é um caso, mas há uma certeza, a verdade estará presente em todos os casos ao final. 

Podemos citar então: "Quando se elimina o impossível, o que resta, por mais improvável que seja, é a verdade". 

A quem devemos temer, os marginais ou aos policiais? A ciência existe para fazer perguntas e reconhecer erros. Olhando as práticas ela aprende com os erros dos outros. Estamos falando de um "mundo social", as coisas se realizam e resolvem de várias maneiras. Para produzir conhecimento, as pesquisas que implicam um fenômeno complexo, exigem o estudo de alguns objetos não conhecidos. O objeto deverá surgir da melhor coisa que conhecemos relacionados à pesquisa, ou seja, a especificidade da problematização. A resposta aos questionamentos deverão demonstrar a estrutura do que se estuda de forma que possibilite a construção de uma análise crítica com objetivo de identificar os atores do teatro e como se apresentam, ficando claro que não compete ao pesquisador a resolução do problema e tampouco emitir juízo de valor sobre os fatos. Isto é ciência. 

Romper com o pensamento e atitudes vigentes para que se torne um conhecimento empírico. Assim, a interlocução com outras áreas do saber científico, é algo que se pode ensinar, ou seja, repetir o que se sabe e ensinar aos outros. Nesses casos, o contraditório tem uma verdade que ganha e outra que perde. A ideia da ciência como verdade em choque está fundamentada como verdade da argumentação, não interessa o cargo da pessoa – da autoridade de quem fala ou escreve, mas sim, da complexidade dos fatos. 

Será que a ciência policial poderá ser reconhecida como ciência ou será que é ciência de segurança? A resposta virá se reproduzirmos reflexões sobre a realidade da polícia e da segurança pública. Não existe ciência sem autonomia da construção do conhecimento através do levantamento de questões para discussão, é preciso o laboratório e as peças que servirão de análise e conclusão. Para tanto, outras perguntas que se fazem necessárias são: qual polícia a sociedade deseja? Estamos diante de uma nova ordem? A quebra do paradigma vigente, trará a tona à síntese real da polícia? Uma polícia independente, com lei própria regulamentando a padronização das ações é possível? A criação de Corregedorias independentes para atuar com rigor quando os membros da polícia desviarem a conduta é possível? Desconstrução dos estigmas internos e/ou externos das organizações policiais através da análise crítica da realidade é possível? A criação de um colegiado de deliberação através do gabinete integrado de segurança pública para sentar-se à mesa polícia civil e militar para conversarem sobre operações em conjunto, buscando atuar na mesma direção é possível? A unificação das polícias civis e militares é possível? A Polícia Federal seria o modelo desejado pela sociedade a ser implantado as demais polícias? A criação de um sistema único de informações e registro de ocorrência policial implantando a modernidade tecnológica é possível? A criação de uma frequência única de rádio e/ou outro meio de comunicação, entre as polícias civis e militares é possível? 

As questões postas acima referem-se apenas à polícia e parte de seus dogmas, em tese de domínio público. A discussão dos temas propostos ou onde serão estudados e em que laboratório é necessário se desejarmos uma ciência policial. E onde está o laboratório? Estaria no ambiente das diversas unidades educacionais ou no cotidino das unidades de polícia em todo o país? 

O controle da técnica de pesquisa a ser utilizada é fundamental. É necessário formar pesquisadores policiais, que estejam cientes que dialogar com o igual corresponde a um monólogo e não a uma técnica científica. Estamos diante de saberes diferenciados. Para a ciência existe verdades em choque de conhecimentos. 

Desta forma, só é ciência quando se produz conhecimento sobre o conhecimento que você tem, isto é, "reflexividade", tem que haver interação com aqueles que estão de fora, para olhar, observar, ouvir e escrever as teorias. Apesar de poder dizer que a atividade policial também faz isso, parece que é a mesma coisa, mas não é, quando se olha, observa, ouve e escreve como cientista, tem que haver liberdade para pôr o dedo na ferida. São desafios que precisam ser solucionados. A resposta é: como fazer? O método a ser utilizado dependerá da intencionalidade. As intenções são diferenciadas, estão diretamente relacionada aos fatos e seus autores. 

Neste contexto, tem-se um problema, será que os pesquisadores policiais vão dar conta das questões referente aos conflitos internos da instituição? Terão isenção e autonomia para pesquisar? Então, se é para pensar alguma coisa teria que ser abrangente e englobaria a Segurança Pública. E então, seria Ciência de Segurança Pública e não apenas Ciência Policial. 

A verdade que se obtém após breve análise é que a polícia não pode arcar com a responsabilidade sozinha pela segurança pública. Ela é o espelho, nela se refletem as expectativas, as ansiedades e as fobias da sociedade. E Segurança pública diz respeito a todos, não existe isoladamente, como fora da realidade. É uma questão política e complexa, não pode ficar limitada apenas à polícia. Deve ser entendida como um estado permanente de ordem, sensitivo e coletivo de segurança. Faz parte do Sistema de Justiça Criminal, caso contrário a polícia seria um ente ensejador de mudanças sociais, como órgão independente dentro de um sistema de Governo Social. A inexistência de estratégias ou políticas de segurança pública seria o reflexo de um Estado desorganizado? Ou o Estado desorganiza pela ausência de estratégicas públicas? 

As perguntas pertinentes à Segurança Pública são: tolerância zero vai resolver aqui? Se os mandados de prisão forem cumpridos em sua totalidade, haverá celas suficientes para recolhimento de todos os condenados? Qual a influência dos bolsões de violência para segurança? E os autores dos crimes do colarinho branco, serão condenados, em caso positivo, cumprirão a pena imposta? 

Hoje fala-se em Defesa Social e não mais em Segurança Pública, sinal claro da mudança de paradigma no que se refere ao compromisso do Estado com o bem estar dos cidadãos, onde várias instituições participam deste desafio dentre elas a polícia. A ciência exige inovação nas pesquisas e no objeto a ser estudado, e isto acarreta inicialmente a refutação por parte da chamada "ciência acadêmica" quando a proposta é de uma "ciência policial". 

Talvez este seja o indicativo da diferenciação entre ciência policial da ciência de segurança, ou seria de defesa social? Somente a pesquisa científica poderá colaborar para delimitar o saber de uma nova proposta de conhecimento no que se refere a fecundação da ciência policial. É preciso formar um círculo de pensadores policiais compromissados com a democracia. 

Belo Horizonte, 31 de Julho de 2011 - CCEPIC - ANP-BSA 

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