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quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Criminalidade no Divã

Em sua busca por si mesmo, o ser humano conquistou o privilégio de errar e transgredir, ir além e infringir suas leis. Neste contexto, o crime insurge apenas como um sintoma de uma patologia social

Hélio Pellegrino, médico psiquiatra, psicanalista, militante político e escritor, traz à consciência humana uma riquíssima contribuição em relação à criminalidade sob um enfoque psicanalítico. Inicia seu pensamento fazendo menção a Washington Luiz (1870-1975), que encarava a questão social como caso de polícia. Infere que felizmente o povo brasileiro adquiriu cultura, informação e educação, isto é, ferramentas intelectuais para repensar esse equívoco. Entende a criminalidade como questão social, o crime está para a criminalidade assim como a doença isolada está para a epidemia.

Reflete que: "sempre haverá crime no mundo, porque o homem é, em seu eu, indeterminação e liberdade" (p.1). Sentimentos esses, misturados à busca constante de novos desejos e ideais. O animal, ser irracional, tem a seu favor a memória imemorial dos instintos, ele não procura, acha. Já o ser humano nasce livre e indeterminado, tem de buscar a si mesmo para achar-se e inventar-se, então, conquistamos o privilégio de errar, corremos o risco da transgressão, que, se manifestada de maneira exacerbada, origina o crime. Já a criminalidade é expressão e reação de uma patologia social; constitui um sintoma. Portanto, o combate ao sintoma não remove a causa da doença.
"Erradicar o crime com a redução da maioridade penal é uma forma de encobrir a responsabilidade social de sua produção."
Dessa forma, pode-se elucubrar de maneira paradigmática com um famoso caso do dr. Sigmund Freud, o da paciente Anna O. Ela sofria de uma estranha paralisia em seus membros inferiores, entre outros males que caracterizavam a histeria. Quem sabe outro médico se destinaria a remediar o sintoma com massagens, exercícios e remédios para os músculos, o que seria obsoleto, pois a paralisia era apenas um sintoma. Mas dr. Freud se deteve nas causas da paralisia, por meio de sessões que já não utilizavam mais a hipnose e, sim, a catarse e o talking cure ou associação livre. Anna O. lembrou-se de um trauma vivido que lhe fora recalcado, isto é, bloqueado na consciência pela força da resistência, pois a lembrança lhe trazia extremo desconforto ou culpa. No momento em que o material psíquico patogênico foi trazido à consciência, Anna voltou a andar.

Fazendo esta associação, podemos caracterizar a criminalidade como uma forma de protesto, um sintoma gerado por uma patologia social. Em uma analogia: a criminalidade está para a patologia social assim como a paralisia está para a histeria.

A erradicação da criminalidade por meio de medidas puramente sintomáticas, como a redução da maioridade penal de 16 para 18 anos, é uma tentativa de encobrir a responsabilidade social na produção dessa mesma criminalidade. Uma crise social pode fomentar a criminalidade quando chega a lesar por deterioração os valores sociais capazes de promover a identificação do indivíduo com a comunidade.

Alguns valores como justiça, igualdade, respeito pelo trabalho e pessoa humana devem ser enaltecidos para o bom andamento da vida social. Esses valores, quando considerados por todos, construirão o Ideal de Eu, que é referência identificatória comum aos membros de um processo civilizatório, promovendo a integração do tecido social. Quando não há essa integração, quando os valores que constituem o Ideal do Eu são desrespeitados pela injustiça, má distribuição de renda, corrupção governamental, a criminalidade vem à tona denunciando uma estrutura social doentia e perversa.

Lei do Pai, Lei da Cultura
Uma das ideias mais polêmicas de Freud, se não a mais, foi referente ao Complexo de Édipo. É na constelação dos conflitos edípicos que a criança se defronta de maneira crucial e inaugural, com as figuras da Lei, da interdição, da transgressão, da culpa e do temor ao castigo, advindo do poder de polícia e do papel de juiz atribuídos ao pai.

É curioso observar que a fase fálica apresenta um grande pulo na evolução da criança. Segundo Freud, o Complexo de Édipo tem tudo a ver com isso. A criança nos primeiros meses de vida não faz diferenciação entre ela mesma e sua mãe, está num estado de simbiose, em que o seio materno é para ela uma extensão de seu corpo; conforme passa o tempo, percebe que a mãe é uma pessoa independente dela, mas que está ali para satisfazê-la. Como se não bastasse esse choque de saber que a mãe não faz parte dela, a natureza é mais cruel e frustrante, apresentando uma terceira pessoa, o pai, iniciando a fase de triangulação.

Tendo como exemplo uma criança do sexo masculino, esta anseia o carinho da mãe só para ela, e esbarra na terceira pessoa - o pai - com quem tem de dividir a atenção da mãe. Já que esse desejo não desaparece rapidamente, a mente encontra outras maneiras de dar vazão a esse ímpeto, por meio de fantasias sexuais com a própria mãe e a masturbação. Esse amor pela mãe, a sede de vingança que sente pelo pai (aquele que impede de ter a mãe só para ele), as fantasias, o sentimento de egoísmo dessa fase, foram denominados romance familiar. Todo esse processo tem fim com o "medo da castração", quando o menino renuncia ao amor pela mãe com medo que haja maiores consequências, que seu pai venha a castrá-lo, perdendo desse modo seu pênis.

Segundo Pellegrino, é pelo medo da castração que o menino começa a desistir de sua paixão incestuosa, iniciando o processo pelo qual acabará por identificar-se com a Lei do Pai, ou Lei da Cultura. Essa identificação constitui um passo crucial na evolução psíquica e social da criança. Em torno dela, se constelarão as regras, ditames, comportamentos e valores, os ideais de certa cultura.

Então, esse menino tem de abandonar o princípio do prazer e aceitar o princípio da realidade, pelo qual vai inserir-se no meio social. Esse processo edipiano é comum a todo ser humano e, segundo Freud, sua elaboração e superação são fatores imprescindíveis para a formação de um adulto socialmente saudável.

"É pelo medo da castração que o menino começa a desistir de sua paixão incestuosa, iniciando o processo pelo qual acabará por identificar-se com a Lei do Pai, ou Lei da Cultura"
Ainda bebê, a criança não diferencia a mãe de si mesma. Para ela, o seio materno representa a extensão de seu corpo. Quando começa a perceber que a mãe é uma pessoa independente dela e que existe ainda a figura paterna, inicia-se o que a Psicanálise chama de Complexo de Édipo.
Para Peregrino: "A resolução do Complexo de Édipo 'hominiza' - e humaniza." (p.5). A renúncia ao incesto implica também a renúncia aos impulsos criminais e antissociais. Após sua superação, a criança se depara com novas tarefas, uma delas é o aprendizado que a preparará ao trabalho, exigência sine qua non feita pela sociedade a todos os seus membros, tornando-se sócia plena da sociedade humana: Trabalhar é desistir da onipotência do desejo, é adequar-se ao princípio da realidade. É aceitar os princípios de autoridade, hierarquia e disciplina, é poder conviver cooperativamente com os outros. É, afinal, cumprir uma exigência imperativa da sociedade, cujo atendimento deve gerar, por justiça, direitos inalienáveis. (p.5-6)

Com trabalho exigido pela sociedade, estabelece-se um pacto social. Quem trabalha recebe o direito de receber o necessário para o seu sustento e de sua família. Porém, o desrespeito da sociedade ao trabalho e aos direitos do trabalhador pode causar a ruptura com o pacto social, que se articula intimamente com o pacto edípico. O trabalhador tende a repelir o pacto social, que devido a essa extrema ligação, pode provocar uma ruptura do pacto edípico no nível da realidade intrapsíquica.

Com a ruptura do pacto edípico, há o retorno do recalcado, libertando sentimentos anteriormente contidos como homicídio, incesto, estupro, violência, gerando uma criminalidade como sintoma de patologia social. Mas é também possível romper com o pacto social sem que isso implique a ruptura com a Lei do Pai, por meio do elenco de valores que constituem o Ideal de Eu, protestando não com criminalidade, mas, sim, com ideais de igualdade e justiça.

A criminalidade é uma forma enlouquecida de protesto. Enquanto houver uma sociedade que não valoriza e não recompensa as pessoas que nela estão inseridas, o crime terá sempre um espaço nas manchetes de jornal e nas nossas vidas como sintoma de uma sociedade perversa.

Autor: Vanessa Cristina da Silva - Psicóloga, psicopedagoga, cursa atualmente a especialização Adolescente em Conflito com a Lei e é agente educacional da Fundação CASA. Contato: vanacris@yahoo.com.br

*Reportagem retirada da Revista Psique Ciência e Vida, disponível no site: http://psiquecienciaevida.uol.com.br


Referências:
PELLEGRINO, H. (1984). Psicanálise da Criminalidade Brasileira: Ricos e Pobres. Acesso em: 14 jun. 07.http://www.cefetsp.br/ed/eso/filosofia/pellegrinocriminalidadecsc.html
FREUD, S. 5 Lições de Psicanálise; A História do Movimento Psicanalítico; Futuro de uma Ilusão; O Mal-Estar de uma Civilização; Esboço de Psicanálise. Os Pensadores. Tradução Durval Marcondes. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

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