A Construção de um Assassino
Friedrich Heinrich Karl Haarmann foi o mais novo de 6 crianças, e nasceu em 25 de Outubro de 1879. Sua mãe com 41 anos na época do seu nascimento, o mimava e o tratava como uma criança encorajando o jovem Fritz a brincar com bonecas, em vez de jogos mais masculinos(1). Mais crucial para os interesses de um psicólogo, Fritz não gostava de seu pai que era extremamente autoritário desde tenra idade mantendo esta aversão ao longo de sua vida.
Os pais de Haarmann eram de fato um casal mal-arranjado". 'Old Haarmann' era um rabugento e mal-humorado folguista que trabalhava em uma locomotiva, e que era frequentemente encontrado a noite vagando em torno dos bares decadentes de Old Town. Sua esposa, Johanna Claudius, era sete anos mais velha e deu-lhe um dote com várias casas e uma pequena fortuna, tornando-o um cidadão rico neste momento de rápida expansão econômica. Johanna era uma mulher simplória, um pouco estúpida e que conseguia ignorar a embriaguez contínua do marido mulherengo. O nascimento de seu sexto filho a deixou doente (Haarman) e ela passou a maior parte de seus restantes doze anos na cama.
Desde tenra idade Haarmann e seu pai constantemente brigavam e ameaçavam um ao outro, os principais motivos eram o fato de Fritz ter sido enviado para um hospício e seu pai ter sido preso pelo suposto assassinato de um motorista de trem. As únicas ocasiões em que os dois se entendiam e se uniam; era para tramar alguma fraude ou para comparecer no tribunal e exonerar o outro. Em contraste, Haarmann sempre sentiu uma ligação profunda com sua mãe e ela continuou a ser a única pessoa sobre a qual ele citou com calor e sentimentalismo.
O papel dos pais no desenvolvimento cognitivo e emocional dos filhos é extremamente importante, principalmente na infância. É pressuposto da teoria psicanalítica o papel estruturante do pai, a partir da instauração do complexo de Édipo.
Para Aberastury (1991), o pai representa a possibilidade do equilíbrio pensado como regulador da capacidade da criança investir no mundo real. A necessidade da figura paterna no processo de desenvolvimento infantil ocorre entre seis e doze meses, quando a criança se vê inserida no triângulo edípico, denominado organização genital precoce, e, na adolescência, quando a maturação genital obriga a criança a definir seu papel na procriação, havendo um movimento mais intenso na adolescência para que o filho alcance maior autonomia.
A necessidade do ser humano em se apoiar ou buscar referências em figuras de autoridade é inata e essencial para seu desenvolvimento biopsicossoccial, e o primeiro modelo de autoridade que a criança tem na vida vem do círculo familiar; e é a partir desse modelo primário internalizado na criança que o adulto vai se basear ao lidar com o outro possuidor de autoridade durante a sua vida.
O Estilo Parental Autoritário combina altos níveis de exigência com pouca flexibilidade. Há uma tentativa de controlar o comportamento da criança valorizando a obediência absoluta e recorrendo sobretudo à punição para a implementação das regras. São frequentes as críticas e as ameaças. Porém um estudo desenvolvido pela Universidade de Valência veio identificar precisamente os efeitos da forma como os pais educam as suas crianças, realçando que a punição, a privação e as regras demasiado rígidas têm um impacto negativo na auto-estima das famílias.
Notável pensar que o pai de Haarmann sempre levara uma vida desregrada e não tinha nenhum senso de responsabilidade ou controle sobre a própria vida; teve a chance de se reerguer através da esposa que era submissa. Após o casamento o pai de Haarmann ainda possuia um senso falho de resposabilidade para com a família, porém exercia uma autoridade excessiva, talvez na tentativa de ter controle sobre algo em sua vida (família e filhos que toleravam tudo em silêncio).
As histórias relacionadas à infância de Haarmann mostram duas características distintas. A primeira é a notável tendência ao feminino (possivelmente travesti) que foi exibida ao longo de sua vida escolar. Esse hábito não surgiu naturalmente como vimos anteriormente, sua mãe o vestia e o tratava como se fosse uma menina, além de mimá-lo excessivamente. Estudos dizem que normalmente o primogênito costuma ser o alvo da superproteção materna; porém nesse caso o contrário acontece. Porque? Vimos também que após o nascimento de Haarmann sua mãe adoeceu, passando a maior parte dos seus últimos anos na cama.
Podemos pensar na hipótese de um sentimento ambíguo da mãe de Haarmann com relação à ele; a raiva que provavelmente sentia do filho por ter sido o "responsável" por tê-la incapacitado, a fazia tratá-lo como menina e o forçava a se vestir como menina. Era sua maneira de puni-lo e humilhá-lo, visto que o pai batia nele toda vez que o via "feminilizado". Paralelamente tinha um sentimento de culpa por tratá-lo dessa maneira, o que pode justificar o excesso de zelo e superproteção.
A segunda é o prazer em causar medo e horror. Haarmann gostava de amarrar suas irmãs, e regularmente batia nas janelas na calada da noite, despertando nelas um medo latente de fantasmas e lobisomens.
Quanto aos irmãos de Haarmann, o mais velho Alfred, tornou-se um capataz de fábrica de classe média/baixa de uma fábrica e possuia valores familiares fortes. O segundo mais velho, Wilhelm, foi condenado em uma idade precoce por crime sexual; e as três irmãs descritas como pessoas obssessivas e compulsivas, se divorciaram de seus maridos logo no início da vida conjugal.
Apesar da preguiça e da ineficiência contínua de Haarmann, seu desenvolvimento sexual foi progredindo rapidamente. Crimes sexuais contra crianças ocorriam quase todos os dias e isso não foi muito antes das acusações de abuso sexual serem feitas contra ele. Eventualmente e inevitavelmente, foi chamado de "pervertido" e considerado incurável pelo médico da cidade e foi enviado para um hospital psiquiátrico logo após seu 18º aniversário. Foi nesse momento que o jovem sofreu algum tipo de trauma que o afetou para o resto de sua vida; pois desenvolveu um medo intenso de hospitais psiquiátricos e com frequência dizia: "pendure-me, faça qualquer coisa que quiser comigo, mas não me leve de volta para o hospício. " A segurança de Lacklustre (hospital psiquiátrico) permitiu o paciente escapasse, e Haarmann fugiu para a Suíça.
Com 20 anos de idade ele voltou para Hannover e não conseguiu aprender a função de serralheiro, e por volta de 1900 teve um período sexualmente normal, quando ele seduziu e casou-se com uma mulher muito bonita chamada Erna Loewert. O compromisso teve a bênção dos pais dos noivos, principalmente dos pais de Haarmann que esperavam fervorosamente que a união colocasse um fim a delinqüencia do jovem. Isso infelizmente não aconteceu, pois Haarmann logo abandonou a esposa e o seu filho que estava para nascer, e entrou para o serviço militar.
Instalou-se bem na vida militar, e assim como o assassino William Burke, tornou-se um excelente soldado: "Cheio de obediência e espírito de equipe". Haarmann mais tarde se referiu a esse tempo como "o mais feliz de sua vida." Um ano inteiro passou sem nenhum incidente, até que em Outubro de 1901 Haarmann entrou em colapso durante um exercício e foi internado no hospital militar durante quatro meses. O soldado foi diagnosticado como portador de uma deficiência mental, e foi considerado "inadequado para uso em serviço comunitário."
Mais uma vez, Fritz foi enviado de volta para sua família briguenta e retomou sua batalha de longa data com seu pai. 'Old Haarmann' tentou mantê-lo internado em um hospital psiquiátrico, mas o médico da cidade considerou Haarmann apenas "moralmente inferior", e aos 24 anos Fritz Haarmann voltou para a sociedade.
Roubos e fraudes logo se tornaram características da vida de Haarmann, e depois de 1904 ele passou um terço dos 20 anos seguintes em custódia ou em prisões. Em 1914, ele foi condenado a cinco anos de prisão por roubo de um armazém. Liberado em 1918, entrou em negócios que envolviam contrabando e conduziu um negócio próspero como traficante, ladrão e espião da polícia (a última atividade garantia que as suas atividades ilícitas não fossem atentamente examinadas).
Para um homem que supostamente estava lutando para manter a sua sanidade, Haarmann mostrou sinais impressionantes de premeditação em seus crimes. Os crimes sexuais também continuaram, embora ele raramente fosse condenado por tais delitos pois as vítimas ficavam muito envergonhadas para denunciá-lo à polícia.
Após a sua liberação da prisão em Abril de 1918, Haarmann retornou brevemente à Berlim e, em seguida, vai para Hannover. Os assassinatos logo começaram.
Por dentro da Mente de Haarman
Analisando a vida de um dos serial killers mais depravados da Alemanha, talvez agora seja apropriado perguntarmos a nós mesmos sobre as dimensões envolvidas na mente de um assassino sexual. Mesmo que há muito tempo tenhamos aceitado o fato de que não existe uma razão isolada para os assassinatos em série, fatores similares parecem contribuir para para a construção mental de todos os assassinos desse tipo. Fritz Haarmann não é exceção, e exibe os mesmos padrões distorcidos tanto antes como durante os assassinatos.
Pouco se sabia sobre o funcionamento de um psicopata na época dos assassinatos de Haarmann, mas a consciência e a compreensão de tais crimes já percorreu um longo caminho. No entanto, assassinos sexuais não podem ser detectados pela sua aparência, situações domésticas ou comportamento no dia-a-dia. O impulso sexual é essencialmente um processo mental e germina dentro de um universo secreto, interior. Os profilers estão evoluindo e aprendendo, mas por enquanto somente através de uma retrospectiva sangrenta.
Geralmente, os assassinos sexuais seriais são classificados em três grandes tipos: o assassino biológico, cujos crimes são acionados por um defeito físico ou lesão de algum tipo; o assassino psicologicamente predisposto (geralmente decorrente de uma infância só de mulheres ou particularmente traumática); e o assassino moldado pela sociedade ou sociológico. Os traços apresentados por Haarmann observado no capítulo anterior, nos traz à conclusão assustadora de que Fritz é um forte candidato para as três categorias acima.
A influência biológica é evidente se considerarmos os repetidos ferimentos na cabeça de Haarmann e seus ataques epilépticos em sua idade adulta. De fato, um número surpreendentemente grande de assassinos têm um histórico de lesões na cabeça em sua juventude.
Quanto à segunda categoria, Haarmann foi extremamente mimado e superprotegido pela sua mãe; além de ser errôneamente "feminilizado" desde tenra idade. Recursos que envolvem o feminino e prazer sádico, são fatores que se repetem consistentemente na análise da infância dos assassinos seriais. Haarmann era inerentemente incapaz de manter idéias abstratas; quaisquer impressões que recebia tinham que se tornar realidade imediatamente. Ao falar sobre assuntos sexuais Haarmann automaticamente tocava a sua área genital, mesmo quando estava sendo questionado no tribunal. Sua educação desenvolveu uma "criatura crua, mas também sem lógica e moral."
Os chamados assassinos "moldados" são aqueles que sentem que a vida os tem enganado e que merecem mais. Em seus primeiros anos, Haarmann se sentiu acolhido na
prisão pois percebeu como o confinamento impõe estrutura sobre a vida e fornece um sentido e fim de existência. Uma característica sociológica crucial do caso, e que é típico do sistema penal do século 20 é que sempre que Haarmann era libertado da prisão, tanto a sua astúcia quanto seus crimes cresciam. Até o amargo fim, Haarmann exerceu sua "raiva contra a máquina".
Mais tarde admitiu que havia sido espancado enquanto estava sendo interrogado pela polícia, e fazer a atenção de todos se voltar para Hans Grans foi uma tentativa perfeitamente executada de comprometer as autoridades que ele tanto detestava. O tribunal acabou mudando a sentença de Grans para 12 anos de prisão, mas apenas em Hannover Grans teria recebido qualquer punição inicial.
prisão pois percebeu como o confinamento impõe estrutura sobre a vida e fornece um sentido e fim de existência. Uma característica sociológica crucial do caso, e que é típico do sistema penal do século 20 é que sempre que Haarmann era libertado da prisão, tanto a sua astúcia quanto seus crimes cresciam. Até o amargo fim, Haarmann exerceu sua "raiva contra a máquina".
Mais tarde admitiu que havia sido espancado enquanto estava sendo interrogado pela polícia, e fazer a atenção de todos se voltar para Hans Grans foi uma tentativa perfeitamente executada de comprometer as autoridades que ele tanto detestava. O tribunal acabou mudando a sentença de Grans para 12 anos de prisão, mas apenas em Hannover Grans teria recebido qualquer punição inicial.
Esta ideia de vingança e expiação é, no caso de Haarmann, enraizada no sadismo e é uma máscara para o sentimento sexual. Suas ações para com seu suposto amigo Hans Grans, eram um ato de vingança onde o acusado usou as últimas centelhas de poder que poderia exercer.
Na verdade, a relação entre Grans e seu mentor é certamente, um dos aspectos mais fascinantes do caso. Grans via Haarmann como um "selvagem com impulsos doentes" e percebeu que ele poderia assim, garantir o seu próprio poder e controle sobre Haarmann. No entanto, houve também uma gratidão distinta e simpatia entre os dois:
"Eu precisava ter alguém para quem eu fosse tudo, Hans muitas vezes ria de mim. Então eu fiquei com raiva e o afastei,mas eu sempre corria atrás dele e o trazia de volta.Eu não me ajudar, eu era louco por ele. "
Haarmann amava Grans e Grans tirou vantagem disso. Ele era o mais esperto dos dois e por isso brincava com seu companheiro. Ironicamente, ele receberia o troco mais severo por seus esforços em manipular Haarmann. Aqueles que brincam com o diabo com certeza serão queimados!
A questão da sanidade de Haarmann é uma questão que nunca foi totalmente resolvida. A avaliação de peritos é totalmente contrastante, embora seja acordado que ele não foi governado pelo desejo de atormentar os outros, mas pelo desejo de matar no auge de seu desejo sexual.
A questão da sanidade de Haarmann é uma questão que nunca foi totalmente resolvida. A avaliação de peritos é totalmente contrastante, embora seja acordado que ele não foi governado pelo desejo de atormentar os outros, mas pelo desejo de matar no auge de seu desejo sexual.
Os psicanalistas dizem que o criminoso difere do homem que se ajusta à sociedade, na medida em que sublima seus impulsos primitivos. As feridas infligidas à ele pela injustiça motivam essas ações. Não pode haver dúvida de que Haarmann sofreu duramente quando era novo, e com isso ele adquiriu "material" suficiente para futuras racionalizações.
Os psicólogos de Haarmann que o examinaram na época, acreditavam que ele via a sua execução como um orgasmo final e intenso e que a excitação dessa possibilidade excedia tudo o que tinha experimentado em sua vida cotidiana. Ele rejeitou as inibições que a sociedade tenta colocar sobre nós e manipulou o amor e o crime em um jogo sexual. Haarmann assassinou tanto por motivos sexuais como financeiros - e, apesar de muitas vezes dizer sentir remorso, nunca sentiu o peso dele.
Fritz Haarmann viveu toda a sua vida com um desejo de sua própria destruição; podemos concluir isso analisando o perfil das vítimas escolhidas. Ele escolhia matar e desmembrar homossexuais, como uma de destruir a si mesmo, porque se os motivos fossem somente financeiros não haveria necessidade de morder a garganta de suas vítimas até a morte e nem de desmembrá-las.
Fritz Haarmann viveu toda a sua vida com um desejo de sua própria destruição; podemos concluir isso analisando o perfil das vítimas escolhidas. Ele escolhia matar e desmembrar homossexuais, como uma de destruir a si mesmo, porque se os motivos fossem somente financeiros não haveria necessidade de morder a garganta de suas vítimas até a morte e nem de desmembrá-las.
ADENDO:
(1) Isso não é um problema muito pelo contrário, a cada dia que passa é mais defendida a ideia de uma educação que preze pela "igualdade" de gêneros e direitos. Desde que os pais façam isso com o intuito de incentivar esses valores e contribuir para a construção da autonomia e da capacidade de escolha dos filhos; e não com o intuito de humilhar, controlar, oprimir, infantilizar e nem depositar seus "quês" patológicos em seus filhos.
Bibliografia
Bolitho, W. Murder for Profit (1926);
Lessing, T. Monsters of Weimar: Haarmann - The Story of a Werewolf (1993);
Marriner, B. A New Century of Sex Killers (1992);
Wilson, C. and D. World Famous Serial Killers (1992);
Aberastury A. A paternidade. In: Aberastury A, Salas EJ, eds. Paternidade: um enfoque psicanalítico. Porto Alegre:Artes Médicas;1991. p.41-87.
Aberastury A. A paternidade. In: Aberastury A, Salas EJ, eds. Paternidade: um enfoque psicanalítico. Porto Alegre:Artes Médicas;1991. p.41-87.
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