Os impulsos que movem alguns indivíduos e os impelem aos crimes hediondos, como os imputados aos seriais killers, continuam sendo um dos maiores desafios para criminalistas, psiquiatras e profissionais psicologistas.
O mais famoso assassino em série, talvez tenha sido Jack, o Estripador. Sua verdadeira identidade permanece sendo um dos grandes mistérios das investigações criminais de todos os tempos. Cinco mulheres foram assassinadas de maneira brutal, o que chocou a Londres vitoriana no final do século XIX. De 1966 a 1974, foi a vez da Califórnia estremecer com os crimes daquele que ficou conhecido como “O Zodíaco”. Narcisista, gostava de desafiar a polícia por meio das cartas que enviava aos principais jornais de São Francisco. Atribui-se a ele o assassinato de 37 pessoas. Sua alcunha se deve à prática de desenhar símbolos astrológicos ao lado de suas vítimas. Como Jack, nunca teve sua identidade revelada.
O famoso filme Psicose, do diretor Alfred Hitchcok, foi inspirado nos crimes de Eddie Gleinn. Com 54 anos de idade, depois da morte da mãe repressora e fanática religiosa, o fazendeiro deu início a uma série de crimes hediondos. Na época de sua captura, a morbidez revelada chocou o País. Foi encontrada na sua casa uma extensa coleção de objetos confeccionados com pele humana, um corpo decapitado e o cadáver de sua mãe empalhado. Já o ucraniano Andrei Chikatilo matou e mutilou dezenas de pessoas por vinte anos na ex-União Soviética. Violento e angustiado, tinha como hábito extirpar os testículos de suas vítimas. Foi fuzilado em 1994. A história de John Wayne Gacy Junior talvez seja a mais curiosa dentre os criminosos conhecidos como serial killers. Quando criança era a principal vítima de seu pai, um violento alcoólatra. Aos trinta anos começou a matar homens e garotos. Uma curiosidade: Gacy era palhaço amador nas horas vagas, o que o tornou muito querido pelas crianças do bairro em que morava em Chicago. Na sua casa foram encontrados corpos de 27 pessoas.
Estes e outros casos foram descritos e analisados minuciosamente no inquietante livro Perfil de Uma Mente Criminosa, de Brian Innes, publicado no Brasil pela Editora Escala. Quando nos deparamos com mortes aparentemente sem sentido como estas, que de alguma maneira escancaram nossa vulnerabilidade no mundo, é natural que busquemos explicações científicas, filosóficas ou psíquicas, na ânsia de, ao menos, ordenar e padronizar os motivos de tais atos. A história da humanidade está repleta de crimes hediondos. Nos próximos parágrafos vamos averiguar porque tais crimes são cometidos e tentar responder a esta questão.
PSICOPATIA OU PSICOSE?
Relatos de crimes aterrorizantes são tão antigos quanto a própria civilização. A personalidade dos criminosos que os perpetram passou a ser estudada de maneira mais aprofundada a partir de 1930 na Alemanha. Na ocasião, o psiquiatra Karl Berg empreendeu aquela que é considerada a primeira entrevista com um serial killer, no caso Peter Kürten, descrito como uma pessoa amável que, entretanto, ficou conhecido como o Vampiro de Düsseldorf por ter assassinado e mutilado oito mulheres, entre elas, crianças e adolescentes. O termo “serial killer” foi criado pelo criminalista norte-americano Robert Ressler, especialista em crimes violentos que, após décadas atuando no FBI, ainda hoje presta consultoria à policia federal norte-americana.
Ressler dividiu esses criminosos em três categorias: a primeira seria daqueles que sofrem de psicoses e apresentam sintomas de esquizofrenia, como escutar vozes e sofrer de alucinações, que a partir daí partiriam para a execução dos crimes. O ex-agente do FBI coloca em outro grupo aqueles que sentem um prazer sádico em planejar de maneira metódica o que antecede e o que sucede à morte de suas vítimas. Na terceira categoria estariam os criminosos que apresentam de maneira simultânea as duas características descritas nos grupos anteriores. Outros pesquisadores buscaram, também, classificações que pudessem auxiliar na diferenciação do perfil psicológico dos assassinos. O psiquiatra James de Burguer, por exemplo, acrescenta uma outra categoria à lista de Ressler: os que acreditam que estão livrando a sociedade de algum grupo que representa um desvio de conduta moral, como prostitutas ou homossexuais, ou que personifique alguma ameaça à comunidade.
É importante ressaltar que, apesar da palavra “psicopata” ser comumente relacionada com os assassinos seriais, nem todos podem ser classificados como tal, porque a grande maioria dos psicopatas não apresenta impulsos violentos. Comumente usada no jargão psiquiátrico, a classificação das psicopatias gera discussão entre profissionais dessa especialidade médica. Considerado uma das maiores autoridades da Psiquiatria Forense no Brasil, o médico Guido Palomba há muito anos deixou de usar a palavra, por não achá-la adequada, “de acordo com a etimologia, psicopatia quer dizer uma psique patológica, mas qualquer psicose também significa uma psique com patologias. Acho que o termo mais apropriado é ‘condutopata’. É uma conduta patológica”. Palomba ressalta a diferença de comportamento entre aqueles a quem chama de condutopatas e os psicóticos. “De um lado, você tem os condutopatas, que não deliram nem sofrem de alucinações, mas têm distúrbios de conduta comportamental. Do outro, os que sofrem de psicoses. Estes últimos normalmente apresentam delírios de perseguição, escutam vozes, etc. Psicoses como esquizofrenia e paranoia possuem essas características. Infelizmente, entre o delírio e a realidade, o doente mental fica com a alucinação. Assassinos em série podem ser de ambos os tipos”, explica o médico.
De acordo com o psiquiatra Kurt Schneider, que cunhou o termo “psicopata” nos anos 1940, estes indivíduos teriam como traço mais marcante o uso praticamente exclusivo de suas faculdades racionais em detrimento da afetividade, isto é, um sujeito que não possui a mínima empatia por outras pessoas, as quais serão sempre usadas para que ele obtenha poder, status, diversão, etc. “O condutopata tem de anormal um distúrbio na vontade, ele tem um ‘querer’ patológico. O sentimento é todo voltado para si mesmo, por isso não há culpa. Se você perguntar para o sujeito que tenha cometido algum crime se está arrependido do que fez, ele vai dizer que sim, pois está preso. No entanto, não demonstrará nenhuma ressonância com a sorte da vítima”, esclarece Palomba. Segundo ele, uma a cada 25 pessoas possui algum traço de psicopatia e destes, para cada grupo de quatro indivíduos classificados como tal, apenas um seria mulher. A ciência ainda não tem uma explicação razoável para esta maior incidência entre o sexo masculino.
O perfil psicológico de assassinos do mundo inteiro é o principal foco do livro Perfil de uma Mente Criminosa (Editora Escala, 2009). A obra aborda a questão histórica da Medicina em busca de uma característica física que pudesse apontar a natureza criminosa. Também analisa a inserção da Psicologia nas investigações que contam com a ajuda das teorias de famosos pensadores como Gustav Jung e o pai da Psicanálise, Freud, para entender as mentes criminosas e a importância desta ciência na resolução dos crimes. O leitor poderá conhecer em detalhes as histórias de diversos criminosos, entre eles, Jack, o estripador; O vampiro de Düsseldorf e o Estripador de Yorkshire, entendendo desde o processo de descoberta dos assassinos até a descrição de suas motivações para as atrocidades. Toda a obra vem repleta de imagens, fotos dos incidentes, cartas, fotografia dos assassinos, das vítimas, das armas, entre outras curiosidades
O QUEBRA-CABEÇA
Mas qual fator seria o predominante para desencadear a formação de uma personalidade doentia, capaz de cometer crimes hediondos? “Todos os processos são endógenos”, afirma Guido Palomba. As causas biológicas, segundo o psiquiatra forense, podem ser inúmeras. O médico explica que algum comprometimento do lobo frontal, parental, meningite, anóxia no parto, etc, podem predispor o sujeito a cometer crimes.
Patologias como a epilepsia, por exemplo, são comumente relacionados a crimes hediondos, principalmente aqueles que têm como principais características a ausência de motivos plausíveis para serem cometidos e a ferocidade na execução. Especializado em diagnósticos, Palomba explica, “a epilepsia não é só aquela que normalmente as pessoas conhecem dos quadros em que há desmaio e uma convulsão epilética. Esta é simples de se diagnosticar. Existem as epilepsias psicóticas, que não se refl etem nos músculos, mas atacam o lobo frontal, o que leva, inclusive, o individuo a ter delírios”. Fatores genéticos também devem ser levados em conta nesta equação, segundo o especialista. “Muitas pessoas nascem com a propensão de se tornarem criminosas. Porém, é obvio que não é porque a pessoa possui uma disfunção endógena que vai trilhar este caminho, assim como acredito que apenas uma vivência dolorosa no passado não tem força para criar indivíduos capazes de praticar crimes monstruosos”
Guido Palomba faz coro com a hipótese mais aceita atualmente entre especialistas: a de que o que faz de uma pessoa um verdadeiro criminoso, capaz de atos hediondos, são inúmeros fatores que ocorrem simultaneamente. “Estes processos devem ser analisados a partir de uma ótica biopsicossocial. Se você tem uma predisposição biológica, talvez o fato de contar com aspectos psíquicos, afetivos, sociais e culturais positivos, não seja suficiente para conter aquela pulsão. Por outro lado, às vezes, a predisposição biológica até é pequena e, no entanto, os processos afetivos e sociais são tão negativos que o sujeito parte para o crime”. O psiquiatra alude, ainda, ao fato facilmente observável de que mesmo que criados em uma comunidade violenta e sem o afeto e os cuidados de uma família, a maioria dos indivíduos sem predisposição biológica não se envolvem com crimes.
Baseado em teorias freudianas, que afirmam que o caráter e o comportamento da pessoa se determinam a partir da infância, psicólogos descobriram – entrevistando mais de 30 criminosos – que todos sofreram maus-tratos quando crianças, até mesmo abusos sexuais.
AFETO E LIMITES
A psicanalista Rosana Ferreira Machado compartilha da opinião de que apontar apenas um único fator que explique os comportamentos desses criminosos é insuficiente. “Precisa ter uma série de fatores simultâneos para o sujeito passar a agir como serial killer”, opina. A analista indica um conceito defendido por Melanie Klein como pista para se entender o processo psíquico desses criminosos: “acredito que estas pessoas sofram de uma fixação gravíssima na fase esquizoparanoide, na qual a criança possui uma raiva muito grande que precisa ser dissipada pela mãe”. Rosana ressalta que uma atuação falha da genitora em dotar a criança de uma segurança afetiva, por si só, não explicaria a conduta desses criminosos, mas aponta um dado relavante, “muitas crianças, para poder dar conta de suas angústias, desenvolvem acentuada racionalidade, uma das características da psicopatia”.
É importante frisar que a psicopatia, dentro da nosografia da Psicanálise, não está enquadrada nem na neurose, nem na psicose e nem nas perversões. “Ela pode ser descrita como um conjunto de sintomas em diferentes graus em qualquer estrutura ou organização da personalidade. Talvez as mais próximas sejam as perversões”, explica. “Não só a sexual, mas a social também, no sentindo de burlar normas, cujo traço predominante é o ser perverso”. Outro indicativo sobre o funcionamento da psique dos criminosos diz respeito à formação do superego na infância. “Ele é formado a partir da transgeracionalidade e com a identificação com os superegos dos pais. Se este aspecto da psique dos pais é frouxo, de modo a permitir que a criança faça tudo sem limites, a estruturação estará comprometida. Exemplo comum é daquele em que a criança não é contida nem repreendida em seu sadismo ao matar um animal”. Segundo Winnicott, cuja obra se destaca por seu profundo estudo da psique infantil, toda criança precisa, numa escala progressiva de tempo, ser frustrada de acordo com sua capacidade de suportar a frustração, para que com isso ela se insira na realidade.
TEORIAS PSICOLÓGICAS PARA O CRIME
Recentemente, pesquisadores estavam considerando que o comportamento agressivo poderia estar associado à formação genética, pois haviam descoberto uma combinação de cromossomos que sugeria uma propensão à violência. Contudo, estudos posteriores desvalidaram esta pesquisa e levaram os criminalistas a se valerem da literatura da Psicologia para estudar a mente criminosa. Entre as fontes está Alfred Adler (foto), que desenvolveu o conceito de ‘complexo de inferioridade’. Nele, Adler propõe que o indivíduo deseja sentir-se superior ao outro, para compensar seus próprios sentimentos de inferioridade. Indo contra Freud, ele afirmava que essa ‘vontade de poder’ era normal e mais importante na determinação do comportamento que o impulso sexual primitivo. Em seus estudos, Adler afirmava que o criminoso é um covarde que escapa de problemas que não fora capaz de resolver de forma socialmente aceitável. O estudioso também alertava de que nem a pena de morte poderia dissuadir sujeitos criminosos, uma vez que eles se acham mais espertos que as outras pessoas e desejam sempre a superioridade.
PSICOSE E NARCISISMO
Por outro lado, uma rigidez exagerada na criação de um filho, somada à ausência de afeto, podem vir a ser fortes aliados na formação de uma Psicose, “nestes casos haverá também um comprometimento do superego, pois sua formação depende da presença de afeto”, explica a psicanalista.
REINTEGRAÇÃO POSSIVEL?
Apesar das inúmeras discussões suscitadas desde o final do seculo XIX, muitos psiquiatras vêem com um olhar pessimista a tentativa de inclusão social de criminosos psicopatas. Sobre o tema, Guido Palomba, é categorico: “não há tratamento eficaz para tal patologia. Existem inúmeros casos graves de erro judiciário, nos quais o sociopata é condenado como preso comum. A tendência, quando sair da reclusão, é a repetição da conduta”. O psiquiatra forense é enfático ao chamar a atenção para a gravidade do problema, “não é necessário nem ser especialista para saber que essas pessoas não podem ser recolocadas na sociedade. É preciso rever tudo isso urgentemente”.
A profissional aponta, ainda, estudos que comprovam que muitos dos psicopatas possuem uma fixação narcisista. “As capacidades egoicas deles são deformadas princialmente no que se referem ao juízo crítico”. Dados de uma pesquisa realizada pelo psicólogo Joel Norris com serial killers mostram a infl uência da relação psicoafetiva na infância, com o aparecimento de sintomas perversos. A partir de uma série de detalhadas entrevistas com cerca de 30 criminosos, o estudo revelou que todos sofreram abusos sexuais ou maustratos quando crianças. Na visão do psicólogo e psicoterapeuta existencial Paulo Roberto Reimão Machado, esse pode ser o fator primordial na estruturação do mundo da existência destes criminosos, “para esse tipo de indivíduo, o assassinato não é um meio e sim um fim. Para ele, o ato criminoso tem um sentido. Ele vive num mundo onde esse ato tem um lugar”. Machado opina que, apesar de tais atos serem consequências de uma realidade única e pessoal, isso não isenta o indivíduo do papel que assumiu; ele deve responder pelas ações de acordo com as normas e a cultura do local em que vive. “Infelizmente, ser um criminoso é uma possibilidade aberta para o ser humano nos nossos dias. Aquilo faz sentido para ele. Assim como a bondade, o respeito e a valorização da vida também são possibilidades”.
POR Prof. Esp. Alcenisio Técio Leite de Sá
0 comentários:
Postar um comentário